Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
A prisão só me fortaleceu, diz líder da comunidade Marielle Franco

A prisão só me fortaleceu, diz líder da comunidade Marielle Franco

Já de volta à casa, o agricultor e ativista Paulo Sérgio Costa de Araújo, que denunciou caso de tortura, ficou preso por 51 dias acusado de ser chefe de uma organização criminosa (Foto: Mário Manzi / CPT-AC).


Manaus (AM) – Depois de 51 dias presos, o líder da comunidade rural Marielle Franco, Paulo Sérgio Costa de Araújo, fala pela primeira vez. De volta à casa, o agricultor e ativista atendeu ao pedido de entrevista da Amazônia Real e momentos após o início da gravação já disparou: “Isso aí [a prisão] só me fortaleceu”, diz. Em cerca de 50 minutos, ele não só avisou que não vai recuar, como contou detalhes da prisão, o histórico de conflitos com a vizinhança e os sonhos pelos quais não desistirá de lutar.

Paulo atendeu a reportagem da Amazônia Real por videochamada. Estava em uma casa em Rio Branco, no Acre, ao lado da esposa e do filho caçula de 5 anos, que tem transtorno do espectro autista. Falou de forma serena, sem exaltar um minuto sequer. Mas a revolta que sente estava expressa em sua fala: “O que eles fizeram comigo [prisão], eles já fizeram com várias pessoas. Calaram essas bocas. Não é fácil… É difícil provar o contrário com esses caras, que os bandidos são eles”, desabafa. “A gente se sente um nada com uma situação dessa. [A gente se questiona] se vale a pena viver. Cadê a lei?”

O agricultor foi preso no dia 5 de março em Boca do Acre (AM), logo depois de denunciar um caso de tortura contra quatro membros da comunidade Marielle Franco, que fica  no município de Lábrea, no sul do Amazonas. Paulo Sérgio mantém a acusação de que esse crime de tortura teria sido encomendado pelo fazendeiro Sidnei Zamora, proprietário da fazenda Palotina, que nega ser o mandante. A fazenda se tornou o epicentro de um conflito que, ao longo dos últimos oito anos, já rendeu vários episódios de violência e tentativas de reintegração de posse. 

De Boca do Acre, o líder comunitário foi transferido para a cadeia pública do município de Humaitá. No dia 25 de março foi levado para a capital do Amazonas, onde ficou por mais um mês. “Quando saí de Humaitá para Manaus, eles me colocaram dentro de um ônibus prisional. Não pararam nem pra gente urinar. Foram quase 24 horas com algemas nos pulsos e nos pés”, afirma. Na capital amazonense, o ativista ficou recolhido na Central de Recebimento e Triagem (CRT), localizada na BR-174 (que liga Manaus a Boa Vista). Ele disse que já se encontra com a tornozeleira eletrônica, mas sequer foi ouvido. “Eu quero saber por que estou sendo monitorado. Temos muito mais provas do fazendeiro armado, atirando tentando matar a gente, policiais trabalhando para o fazendeiro, tudo isso foi constatado”, diz Paulo.

A denúncia que virou prisão

Família Zamora, da esquerda pra direita, Sidney Zomora, e Sidney Zamora Filho (Reprodução Instagram Sidnei Sanches Zamora Filho).

O líder da comunidade Marielle Franco lembra em detalhes dos momentos que precederam a sua prisão – na ocasião, chegou a dar uma entrevista para a Amazônia Real contando o caso. A primeira denúncia foi por um caso de tortura ocorrido no dia 28 de janeiro, no qual funcionários (“jagunços”, como ele prefere) quebraram o equipamento de um topógrafo, que colhia provas de invasão à comunidade Marielle Franco para retirada ilegal de madeira.

“Mandaram ajoelhar, bateram muito. Fizeram uma videochamada [utilizando o equipamento Starlink] com o fazendeiro [Zamora] mostrando os agricultores apanhando de joelho com cara no chão. E disseram que não iam matar porque era para saírem dali e contar para os outros”, disse agora, acrescentando novos detalhes à denúncia que culminou na sua prisão. 

Paulo César conta que os agricultores foram surrados com golpes de terçados. Uma das vítimas, o extrativista identificado como Nacione, teve a clavícula atingida por um golpe e precisou de atendimento médico em hospital público. Porém, quando foi à delegacia de Boca do Acre denunciar o caso, já havia um mandado de prisão aberto em nome dele. 

Nessa altura, o ativista já havia denunciado inclusive a presença da Polícia Militar (PM) do Acre, agindo no local, desde o início da ocupação nos anos de 2015 e 2016. Ele mesmo conta que chegou a ser preso só por ter registrado com um celular os militares atuando dentro da jurisdição amazonense. O agricultor revela que também denunciou os abusos praticados pela PM do Amazonas que estaria agindo no município de Lábrea, supostamente a mando do fazendeiro Sidnei Zamora. E isso pode ter se voltado ainda mais contra ele.

Paulo conta que ao longo desse período, várias pessoas já foram presas na área, acusadas de crime ambiental. “Houve desmatamento? Sim, mas as pessoas que foram presas não cometeram o crime. Tem umas dez pessoas que foram presas pelo mesmo crime. Eles queriam incriminar as pessoas”, acusa. Depois de tantas acusações e denúncias, elas acabaram se voltando contra o líder comunitário.

“Eles me apontam como líder de organização criminosa. E aí eu pergunto: Quais são as outras pessoas que andam comigo? Porque eu, Paulo, ando só. Eu não tenho ninguém para andar comigo. Só entrei nesta situação [de ser acusado de organização criminosa] porque eu comecei a denunciar as coisas erradas”, afirma. 

As autoridades podem ter se convencido de que o líder comunitário seria uma ameaça a partir da manipulação de um vídeo, que Paulo Sérgio descreveu em detalhes o seu contexto à Amazônia Real. No dia 11 de janeiro, ele foi abordado por Sidnei Zamora Filho, herdeiro da Fazenda Palotina. “Eu estava quebrando castanhas e limpando um ramal. Do nada apareceu um carro. Pedi para baixar o vidro e virei a espingarda para o outro lado para que eles não se sentissem ameaçados. Ele [Zamora Filho] levou aquilo para as autoridades como se fosse uma ameaça”, relembra. O encontro teria sido filmado pelos jagunços da fazenda e o vídeo na íntegra, segundo Paulo, ainda não foi divulgado.

Área em disputa 

A comunidade Marielle Franco recebeu uma comitiva com membros do Incra, como o superintendente do órgão no Amazonas, Denis da Silva Pereira, e o diretor de Governança Fundiária, João Pedro Gonçalves da Costa; e o desembargador Jomar Fernandes, corregedor-geral de Justiça do Amazonas (Foto: Comunidade Marielle Franco).

A última tentativa de reintegração de posse ocorreu no último dia 22 de março. Na ocasião, o fazendeiro Sidnei Zamora obteve uma decisão favorável na Justiça amazonense, mas a ordem foi suspensa depois que a Defensoria Pública do Estado (DPE) ingressou com  um recurso. A DPE ressaltou que “as famílias que residem no local retiram de lá sua subsistência por meio da agricultura familiar e que, se a reintegração fosse cumprida, havia grave violação dos direitos humanos de difícil reparação”. A própria decisão para a reintegração de posse não havia sido previamente comunicada à Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Amazonas, como preveem as medidas determinadas pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828 em casos de despejo ou reintegração coletiva. 

Havia ainda o conflito de competências, já que o Incra apontou que as terras em disputa pertencem à União e, por isso, o caso não deveria ser julgado na esfera estadual. Depois disso, o processo foi finalmente remetido à Justiça Federal.  Zamora alega ser dono de uma área de 40 mil hectares. A comunidade Marielle Franco, com suas 200 famílias, ocupa uma área de aproximadamente 18 mil hectares. 

Apesar de ter uma saúde debilitada, enfrentando doenças crônicas como diabetes, hipertensão arterial, neuropatias e até a doença de Parkinson, Paulo Sérgio conta que jamais arredou o pé da luta pela comunidade que decidiu batizar com o nome da vereadora do Psol, assassinada em 2018, no Rio de Janeiro, junto do seu motorista Anderson Gomes. “Como ela foi morta pela milícia e a gente vive lutando contra a milícia, contra policiais corruptos e tudo, eu coloquei em homenagem a Marielle”, conta Paulo. Temerosos, alguns membros da comunidade pediram para trocar o nome depois que Jair Bolsonaro ganhou a eleição naquele mesmo ano. Ele conseguiu convencer seus colegas de manter a homenagem.

Depois da última tentativa de reintegração de posse, a Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas foi até Lábrea e descobriu o sumiço de folhas do livro do registro de imóvel das terras da comunidade Marielle Franco e da Fazenda Palotina, do fazendeiro Zamora. Pelo menos duas páginas foram arrancadas do documento registrado no Cartório Extrajudicial da Comarca de Lábrea (distante 703 quilômetros de Manaus). 

A investigação, denominada de “correição extraordinária”, foi determinada pelo corregedor-geral do Tribunal de Justiça, desembargador Jomar Fernandes. 

A luta pela terra

Famílias da comunidade Marielle Franco, em Lábrea esperança de serem assentadas após reunião com Incra, MPF e PF (Foto: Comunidade Marielle Franco).

Apesar da prisão, das ameaças, Paulo César garante que continuará liderando os agricultores da comunidade Marielle Franco. “Essa terra aí que a gente está tentando arrecadar vai ficar na história. É para as famílias que estão precisando. Eu acredito que estamos dando um grande passo para que tudo possa ser resolvido e as famílias possam ficar em paz”, afirma.

Hoje, as famílias da comunidade vivem do cultivo de banana, arroz, macaxeira e café. “Tem vários plantios lá dos agricultores. Era para estar mais avançado, mas eles [da fazenda Palotina] entram lá e destroem tudo e ainda colocam veneno nas plantações”, acusa, novamente.

O ativista fala ainda sobre os seus sonhos, que é ver a situação dos agricultores devidamente regularizada. “Temos autoridades sérias que vão apurar todas essas irregularidades e vão dar respostas à sociedade. Agora está na esfera correta, na esfera federal. Há outras famílias e outros casos no sul do Amazonas, não somos apenas nós que passamos por esta situação, só que muitos desistiram dos seus sonhos”, pontua o agricultor que começou na roça aos 7 anos cortando cana com o pai e o avô.

O ativista fala ainda sobre o sentimento de injustiça que sente mediante a tudo que aconteceu. “É ruim falar. Passamos a vida querendo fazer o certo, mostrar o certo, mas o certo é errado, né? Lá no presídio a gente tem contato com quem matou, com roubou, sequestrou… Você vê essas pessoas saindo depois da audiência de custódia. Na minha audiência o juiz nem quis me ouvir”, recorda.  

Colocado em liberdade, no último dia 25 de abril, Paulo conta que os membros da comunidade quiseram fazer uma carreata em homenagem a ele, tanto em Boca do Acre, quanto em Rio Branco, mas que foram desencorajados pelo próprio ativista. “Falei para eles que o advogado disse que isso não seria bom. Vão inventar outras coisas, a gente preferiu deixar quieto”, disse.

A reportagem da Amazônia Real procurou o fazendeiro por meio de seu advogado, Marcelo Feitosa Zamora, para falar sobre as novas acusações feitas pelo líder da comunidade Marielle Franco.

Até a publicação da reportagem, o advogado não havia retornado e tão logo isso aconteça, a reportagem será atualizada. , Em entrevista anterior para Amazônia Real, Feitosa negou acusações e ressaltou que Zamora é o “legítimo proprietário da Fazenda Palotina”. Disse que o fazendeiro tem sido vítima de injúria e difamação por parte da “organização criminosa” comandada por Paulo Sérgio.

“A acusação ao senhor Sidnei faz parte de uma narrativa vitimista a fim de criminalizá-lo perante a opinião pública, na medida em que no âmbito judicial, não obtiveram nenhuma vitória ou reconhecimento de legitimidade de seus atos. É a tentativa infértil de vender uma história romântica do pobre contra o ‘fazendeiro malvado’, que possui jagunços ao seu dispor”, afirmou na primeira entrevista.

Na ocasião, Marcelo disse que Sidnei Zamora confia na Justiça, e ressalta que nos últimos anos tem “sofrido com o esbulho criminoso”, e que não cometeu qualquer ato de violência, e que sempre recorreu a medidas judiciais a fim de “obter a reintegração de sua posse”.

Chegada da comitiva do Incra e Corregedoria Geral de Justiça do Amazonas (CGJ-AM), Secretaria de Estado de Cidades e Territórios (SECT), 1ª Vara da Comarca de Lábrea e o Cartório do 1º Ofício da Comarca de Lábrea, na Comunidade Marielle Franco (Foto: Incra).

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
Ver post do Autor

Compartilhe:

Facebook
Twitter
LinkedIn

Postes Recentes

FORMULÁRIO DE INSCRIÇÃO

Redes Sociais: