Entre os dias 12 e 14 de dezembro, o campus da Unipampa de Santana do Livramento sediou o II Congresso Internacional do Pampa. Com o tema “Dos direitos da natureza às catástrofes climáticas’‘, o evento reuniu pessoas do Brasil, Argentina e Uruguai que vivem do e no Pampa trinacional, além de pesquisadores de diferentes instituições. Em que pese a proximidade com a efeméride do Dia do Pampa, celebrado em 17 de dezembro, além das diversas emergências pelas quais passa o Bioma, a imprensa não esteve presente.
A convite da organização, o Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental expôs algumas de suas incursões sobre o assunto na mesa “Relatos de experiências no Bioma Pampa”, com a apresentação do trabalho intitulado “Apontamentos sobre a cobertura midiática acerca do Pampa”. Dentre as discussões trazidas pelo referido material, recordou-se a dissertação de Eliege Fante, que pontuou como se deu a cobertura de Zero Hora e Correio do Povo entre 2007 e 2008, no âmbito da implantação da silvicultura (leia-se monoculturas de árvores exóticas, eucalipto e pinus). Já naquele momento se percebia a pouca atenção dada ao tema e o desprestígio com o qual o bioma predominantemente campestre era tratado. Um trecho em que Zero Hora descrevia o Pampa como um “revestimento ondulante e ralo” chama a atenção ainda hoje, especialmente quando sabemos o último recorde: 64 espécies de plantas por metro quadrado contadas em levantamento feito recentemente em Jaguarão pela equipe do PPBIO Pampa, o Projeto de Pesquisa em Biodiversidade presente em todos os biomas e financiado com recursos federais. Convém destacar, também, que essa informação sequer hoje é apreciada pela grande imprensa, visto que, apesar de ser de indiscutível interesse público, nem no Dia do Bioma Pampa, ao qual referimos anteriormente, se publicou essa informação.
Também entre os relatos do Grupo, desta vez se tratando das análises críticas feitas no Observatório do Jornalismo Ambiental, se discutiu sobre o que seria uma questão comum aos biomas brasileiros e que merece, a qualquer tempo, ser feita aos gestores de políticas públicas e privadas, especialmente – mas não somente – por jornalistas: Por que investir em pecuária no bioma Amazônico, o centro do debate mundial sobre devastação, e que é predominantemente florestal, ou seja, possibilita outras atividades econômico-produtivas e distintas das monoculturas de grãos, quando seria possível incentivar a pecuária que conserva a biodiversidade nos campos do Sul do país? Noutras palavras: por que desmatar, plantar pastagem impondo a pecuária na Amazônia e, ao mesmo tempo, converter o campo nativo no Pampa extinguindo a pecuária tradicional que conserva a biodiversidade campestre?
Ainda nas incursões do grupo sobre o Bioma Pampa, se falou sobre a monocultura mental que homogeneiza territórios e impõe apenas uma alternativa econômica para cada município. É o caso visto por Eliege Fante e Eutalita Bezerra nas publicações sobre Candiota, na Campanha gaúcha, por exemplo. Um município biodiverso em fauna, como demonstra o projeto Felinos do Pampa, ao chegar às páginas dos jornais está sempre coberto de carvão. Suas várias cadeias produtivas são solapadas pela força da exploração mineral, que, para a grande imprensa, se sobrepõe a qualquer outra forma de economia possível. Além da pecuária familiar em campo nativo que é tradicional do Rio Grande do Sul, as comunidades tradicionais indígenas e quilombolas também não têm suas vozes respeitadas quando se fala em progresso, desenvolvimento, modernização e inovação, não obstante esses conceitos venham associados ao de soluções baseadas na natureza.
É certo dizer que, na grande imprensa, o Pampa segue invisibilizado. Foi o que as autoras Claudia Moraes, Eliege Fante e Janaína Gomes notaram ao pesquisar a National Geographic. O trabalho, que se soma aos relatos apresentados pelo grupo, evidencia que não houve um aprofundamento da publicação na desproporcional correlação de forças entre a pecuária familiar tradicional e o agronegócio da soja e da silvicultura, ao reportar a desproteção e a destruição do bioma. Importa descrever esse contexto para desnaturalizar ou desmascarar a suposta inevitabilidade da extinção do Pampa.
Em se tratando de possibilidades, o Grupo abordou ainda a dissertação de Sérgio Pereira, defendida em 2022, que discutiu sobre “A disputa por espaços entre o bioma Pampa e o agronegócio da soja nas páginas de Zero Hora”. O estudo demonstrou que o jornal não reportou de forma aprofundada a questão do Pampa sobre a ampliação geográfica da soja. Como sugestões, foram apresentados caminhos como o monitoramento do bioma Pampa, a emissão de alertas sobre escassez dos recursos naturais como a água, da qual a própria sojicultura depende através da irrigação; a advertência à sociedade sobre danos, bem como o esclarecimento sobre a importância da conservação; a ampliação do leque de suas fontes para tratar temas como a devastação do bioma Pampa; entre outros.
É inadiável advertir a sociedade sobre as consequências dos obstáculos impostos ao provimento de serviços ecossistêmicos de que dependemos. Não se pode mais ignorar a supressão ilegal de vegetação nativa campestre da ordem de 146.400 hectares/ano. (MapBiomas).
Esclarecer sobre a importância da conservação é associar a manutenção dos recursos naturais com as reais condições de crescimento econômico das atividades produtivas. Ou seja, é falar de economia. Considerando que o bioma Pampa ocupa 68,9% do território gaúcho, 45% já são áreas antropizadas e 43% ainda se mantêm naturais, segundo o MapBiomas, é emergencial buscar o equilíbrio.
Com um conteúdo rico em propostas, fontes plurais e ímpar oportunidade de trocas para se ter com outros jornalistas, é uma pena que o Congresso não tenha podido contar com a grande imprensa, que permanece, boa parte dela, em suas baias, repetindo jargões e noticiando o fim do bioma Pampa de forma naturalizada.
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