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A falta do jornalismo na Amazônia

A falta do jornalismo na Amazônia


O capítulo da da Amazônia pode ser definido por diversos qualificativos: conquista, integração, desintegração, destruição e fim. Como a amplitude é vasta e abriga muitos opostos, todas as interpretações são possíveis, toleradas ou incentivadas.

Permanentemente, surgem novos intérpretes, que não se vexam de se declarar amazonólogos ou mesmo amazônidas, na condição de militantes e não apenas escrevinhadores, colocando-se vários degraus acima da posição dos simples estudiosos da região, os amazônicos. Os neologismos estão sancionados, dependendo apenas da imaginação ou criatividade do autor.

Essa epidemia se agravará, acompanhando a preparação da COP 30, a ser realizada em 2025, em Belém do Pará. Assumir uma posição na confraria dos que produzem com a temática amazônica não apenas confere notoriedade, fama e status. Também rende dinheiro. E muito.

A prova dos noves dessa cascata (no sentido concreto ou simbólico, na linguagem geográfica ou de marketing) exige a existência de informações primárias, obtidas em cada um dos principais cenários dos acontecimentos que, por sua repetição, podem ter perenidade histórica assegurada, distinguindo-os da espuma furtiva e vaporosa das interpretações sem bases reais.

A multiplicação desses fogos-fátuos, que dificultam muito a identificação do aventureirismo e da mistificação intelectual, pode estar em alguma medida relacionada à diminuição da grande reportagem jornalística. É uma redução em segmentos. A imprensa local quase não faz esse tipo superior de apuração jornalística por não ter condições de financiar equipes para chegar aos locais onde os acontecimentos mais relevantes ocorrem, como resultado do avanço das frentes econômicas às novas áreas, nos limites mais distantes da região.

A grande imprensa nacional promove essas jornadas, valendo-se da sua melhor condição econômica para bancar o alto custo dessa iniciativa. Mas já não é frequente o suficiente para obter informações em quantidade e qualidade para se tornarem referências na avaliação do que tem qualidade nas interpretações abundantes sobre a expansão da fronteira amazônica.

Os repórteres especiais são enviados “a campo” quando o que trouxerem render retorno na medida capaz de cobrir o custo da empreitada e manter por mais algum tempo o interesse do leitor ou espectador das áreas de maior concentração demográfica e econômica do país.

Por fim, a imprensa internacional, mesmo quando não tem presença mais frequente na Amazônia, costuma produzir mais e melhor do que a mídia brasileira. Não só por possuir mais dinheiro, mas porque sua grandeza internacional lhe assegura maior segurança na atividade jornalística in situ, seja para ir mais longe e profundamente como para impor maior o respeito aos seus enviados especiais pelos contendores, sobretudo os que detestam o jornalismo independente crítico.

Ficou muito mais arriscado exercer esse tipo de jornalismo em uma Amazônia cuja polarização de décadas foi agravada pelos quatro anos de Bolsonaro na Presidência da República. Suas posições contra os cuidados necessários para salvaguardar as florestas, os índios, os colonos, o acesso deles à propriedade da terra, a liberdade de expressão, sem a qual os erros dificilmente são corrigidos, foram recebidas no “sertão” como incentivo para hostilizar repórteres curiosos, fuçadores e inquiridores. Um tratamento tão explícito que passou a intimidar os repórteres de linha de frente e obrigá-los a pesar os riscos antes de cumprir uma pauta mais rigorosa em áreas distantes.

Já está mais do que na hora de haver um encontro amplo e representativo dos jornalistas e suas instituições para diagnosticar melhor o problema e encontrar as formas de preservar o repórter sem comprometer a reportagem. Alguns procedimentos ajudam nessa autoproteção. Um deles impõe ao jornalista que se informe o melhor que puder sobre a questão que vai relatar e os personagens que irá entrevistar.

Esse preparo pode dispensar a leitura de material muito adjetivado ou infiltrado de subjetividades, viés ideológico ou desinformação. É preciso ir “a campo” com dados objetivos, exauridos em fontes consideradas seguras e sancionadas, incluindo as oficiais e corporativas, muitas vezes renegadas in limine, sem conhecimento de causa pelos que as deixam de lado peremptoriamente.

Os profissionais de esquerda devem ser lembrados que Karl Marx, que começou sua vida pública como jornalista e editor de jornal, escreveu “O Capital”, sua obra máxima e que lhe garantiu a imortalidade, lendo os preciosos relatórios dos inspetores de fábrica na industrialização inglesa do século XIX.

Outra diretriz eficaz e insubstituível é a investigação. Nenhum segredo, mistério ou ardil informativo resiste a uma boa investigação dos fatos. Por boa se entenda uma investigação objetiva, rigorosa e honesta. Muitos confundem essas expressões com neutralidade para excomungá-las. Se nenhum jornalista se estabeleceu sem obter dados incontestáveis, silenciando mesmos seus opositores e inimigos no face-a-face de entrevistas, nenhum jornalista confirmou sua qualidade se deixando imobilizar pela nefasta neutralidade. Na Amazônia, ninguém chega a verdades sem paixão.


A imagem que ilustra este artigo mostra a coletiva de imprensa da CPT e MPF e demais entidades de direitos humanos sobre o massacre do rio Abacaxis, em agosto de 2020 (Foto: Clodoaldo Pontes/CPT).


Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do .

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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