Belém (PA) – A recente autorização concedida pelo Ibama para que a Petrobras realize perfurações exploratórias na Bacia da Foz do Amazonas, na costa do Amapá, reacende um debate profundo sobre os rumos da política energética e ambiental do Brasil. O licenciamento, que encerra um longo período de disputas técnicas e políticas, foi apresentado pelo governo e por autoridades locais como um marco de desenvolvimento e soberania energética. No entanto, por trás da narrativa de progresso, emergem contradições que colocam em xeque a coerência do país diante da crise climática global e de seus compromissos ambientais, especialmente às vésperas da COP30, que será sediada em território brasileiro, mais especificamente na Amazônia e mais especificamente ainda, em Belém do Pará.
A decisão de liberar a perfuração ocorre em um contexto de tensões entre duas agendas aparentemente inconciliáveis, a da transição energética e a da expansão da fronteira petrolífera. Embora a Petrobras tenha atendido a exigências ambientais, como a criação de centros de reabilitação de fauna e reforço das estruturas de resposta a acidentes, a iniciativa expõe o peso político-econômico do petróleo na formulação de políticas públicas. A promessa de transformar a Margem Equatorial em um “novo pré-sal” reforça uma lógica desenvolvimentista ancorada na extração de combustíveis fósseis, quando o mundo parece e precisa caminhar para a descarbonização.
A retórica oficial, expressa nas declarações do governador Clécio Luís (Solidariedade) e do senador Randolfe Rodrigues (PT), revela a aposta no petróleo como vetor de crescimento regional e instrumento de inclusão social, numa conjunção de ideias que aproxima direita e esquerda como se fossem irmãos de longa data. Fala-se em “novo período econômico e social” para o Amapá, mas a história recente da exploração de recursos naturais na Amazônia mostra que raramente os benefícios se distribuem de forma equitativa. Ao contrário, os riscos socioambientais — desastres, contaminações, perda de biodiversidade — tendem a recair sobre populações locais e ecossistemas frágeis.
A Margem Equatorial, onde se localiza o bloco FZA-M-059, é uma região de extrema sensibilidade ecológica. Está próxima à foz do maior rio do planeta e abriga parte significativa do cinturão de manguezais da Amazônia, que corresponde a cerca de 80% dos mangues brasileiros. Esses ecossistemas são não apenas berçários de biodiversidade marinha, mas também barreiras naturais contra erosões e reservatórios de carbono de importância global. Um eventual vazamento de óleo teria consequências irreversíveis.
Ao autorizar a perfuração, o Estado brasileiro reitera um paradoxo central. Busca projetar uma imagem de liderança ambiental enquanto reforça sua dependência estrutural do petróleo. O discurso da “transição energética justa” torna-se ambíguo quando sustentado por novas fronteiras fósseis. A crítica do Observatório do Clima — que classificou a decisão como uma “dupla sabotagem” ao planeta e à COP30, aponta justamente para essa dissonância entre a política climática e a prática econômica.
É um grande dilema que passa pela economia em duas frentes, se podemos colocar dessa forma. A ‘Frente 1’ sinaliza que o Brasil ainda é muito dependente do petróleo principalmente porque o acesso que a maioria dos produtores usa para desovar seus produtos, ainda é por estradas. Se for usado um exercício de imaginação em que esse projeto traga uma redução do custo na produção de petróleo, ou seja, o país não precise mais comprá-lo no exterior, por exemplo, pode-se deduzir uma possibilidade de redução de preços (não só da gasolina, mas da cadeia de produção de vários produtos) porque o petróleo é comercializado em dólar. Isso traria menos pressão no câmbio.
A ‘Frente 2’ é a que nos mostra que existe toda uma estrutura política e empresarial em torno do petróleo. Projetos que envolvem produção de petróleo podem sinalizar que essa estrutura vai se manter, quando o resto do mundo vem pensando em transição energética. Um exemplo simples: se todos os ônibus forem elétricos, muita gente vai perder negócio. Donos de postos de gasolina, nesse exemplo simples, morrem de medo da transição energética e eles possuem alianças muito profundas com políticos locais, principalmente em municípios do interior.
Nesse sentido, não é ilusão acreditar que esse projeto é de fato uma sinalização política para o empresariado que gira em torno dos negócios que dependem do petróleo. Em outras palavras, pode-se perguntar se Lula esteja buscando governabilidade com isso. A questão é se esse movimento vale a pena economicamente a ponto, por exemplo, de impactar em redução de preços para o consumidor final, inflação, etc? Nenhuma destruição ambiental vale a pena, seria um senso comum que, sabe-se, não é o que ocorre no Brasil (não só no país, vale ressaltar). Seria necessário um projeto de mitigação dos impactos, um projeto real, não como o desastre que tem sido Belo Monte, para citar um exemplo recente.
Amazônia Real alertou e discutiu o tema
Alguns meses atrás, Amazônia Real pôs o tema em discussão de forma profunda, inclusive analisando o ideário desenvolvimentista do presidente Lula, baseado na ideia de crescimento econômico impulsionado pelo investimento estatal em infraestrutura, indústria e programas sociais, como essencial para reduzir desigualdades e fortalecer a economia nacional. No artigo em questão, havia o alerta de Lula estar incorrendo em uma decisão com profundos efeitos negativos para a região, dado o histórico de descaso com o ambiente nesses grandes projetos.
Para contextualizar: localizada na costa norte do Brasil, a região onde se pretende explorar o petróleo, abrange um ecossistema marinho sensível, com biodiversidade ainda pouco estudada e de relevância global. A possibilidade de exploração nesse local gera conflitos entre interesses econômicos, sociais e ambientais. O potencial petrolífero da Foz do Amazonas tem atraído grandes empresas do setor energético, que veem nessa área uma oportunidade de ampliar a produção nacional e reduzir a dependência de importação. O argumento econômico enfatiza a geração de empregos, arrecadação de royalties e o desenvolvimento de infraestrutura em regiões historicamente negligenciadas pelo governo. Ou seja, um discurso já ecoado em outras situações similares.
O principal argumento contrário à exploração de petróleo na região está ligado aos impactos ambientais. A Foz do Amazonas abriga recifes de corais de profundidade recentemente descobertos, uma grande diversidade de peixes e espécies marinhas ameaçadas. Um eventual vazamento de petróleo poderia comprometer esse ecossistema de maneira irreversível. Além disso, a dispersão de poluentes poderia afetar comunidades pesqueiras que dependem da região para sua subsistência.
À época o pesquisador Gustavo Moura, da Universidade Federal do Pará (UFPA) afirmava que em caso de derramamento de óleo em um dos blocos da Margem Equatorial estas áreas podem ser afetadas gerando impactos irreparáveis na biodiversidade destes locais e em centenas de milhares de pessoas de povos e comunidades tradicionais da região que dependem dessa biodiversidade para sua segurança alimentar, para viver. Diversas organizações ambientais, como o Greenpeace e o Instituto Socioambiental (ISA), alertavam para a falta de estudos mais aprofundados sobre os impactos da exploração.
Os povos indígenas e comunidades tradicionais que vivem na região manifestaram-se contra a exploração petrolífera. Além da ameaça aos meios de subsistência, há preocupação com a contaminação das águas e com a intensificação das mudanças climáticas, já que o petróleo é um dos principais responsáveis pelo aumento das emissões de gases do efeito estufa. A exploração de petróleo na foz do rio Amazonas pode impactar diretamente várias comunidades indígenas no estado do Amapá. Entre as principais comunidades potencialmente afetadas estão os povos Karipuna, Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na. Esses grupos habitam três Terras Indígenas (TIs) demarcadas e homologadas: Uaçá, Juminã e Galibi, que juntas abrigam cerca de 13 mil indígenas distribuídos em 56 comunidades, ocupando uma área contínua de aproximadamente 518.454 hectares. Esses povos têm culturas, línguas e histórias próprias e, historicamente, mantêm relações com os rios e o oceano para pesca e outras atividades tradicionais. Por isso, qualquer impacto ambiental na Foz do Amazonas, como vazamentos de petróleo, poderia afetar diretamente seus meios de vida e seus territórios. Essas comunidades já enfrentam desafios como a pressão da mineração ilegal e a degradação ambiental. A possível chegada da indústria do petróleo pode intensificar esses problemas.
Muitas comunidades dependem dos recursos naturais da Foz do Amazonas para sua sobrevivência e cultura. A exploração de petróleo pode levar ao deslocamento dessas populações, à perda de seus meios de subsistência e à contaminação de suas terras e águas. A falta de consulta adequada e de participação dessas comunidades nas decisões sobre a exploração de petróleo é uma violação de seus direitos e uma falha grave na governança ambiental.
“Essa é uma reserva gigante do ponto de vista econômico”, afirmou à época para Amazônia Real, o economista Giliad Silva. “A estimativa é que nessa reserva petrolífera se tenha mais ou menos em torno de 14 bilhões de barris de petróleo. Trazendo ao preço de hoje do barril de petróleo isso dá algo mais ou menos em torno de 1.7 a 1.8 trilhões de dólares, que é a estimativa que você tem de petróleo a ser extraído na foz do Rio Amazonas. E isso é apenas esse poço, o bloco, que foi justamente o alvo de toda a polêmica”, enfatiza o economista. A análise de Giliad Silva é profunda. “Ali se tem um petróleo de muita qualidade, é um petróleo leve, um petróleo que não tem grandes exigências de refino para transformar em derivados de alta qualidade, no entanto ainda assim existe esse conjunto de questões ambientais que não estão respondidas e, na minha avaliação, pelo que a gente está vendo já do ponto de vista de informação, não serão respondidas”.
Meses depois, com a aprovação do poço exploratório na Foz do Amazonas , o que se pode concluir é que o projeto não é apenas um episódio técnico-administrativo, mas um sintoma das tensões entre desenvolvimento, soberania e sustentabilidade. O que está em jogo vai além de um possível reservatório de petróleo: trata-se da definição de qual Amazônia, e de qual futuro, o Brasil pretende sustentar. Os sinais visíveis já estão aí. E a COP-30, bancada por empresas que ajudam a desenhar um cenário nebuloso para a região, talvez seja o evento condizente com esse futuro que repete o passado.


Imagens da foz do rio Amazonas (Fotos: Marizilda Cruppe /Greenpeace).
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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