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ToggleManaus (AM) e Belém (PA) – Protestos contra a ausência dos movimentos nas mesas oficiais — especialmente dos indígenas — estão em ascensão na COP30, em Belém. Até o momento, a manifestação mais contundente ocorreu no início da noite de terça-feira (11), quando indígenas e não indígenas ultrapassaram a barreira do pavilhão que dá acesso à Zona Azul, área exclusiva de negociações da Organização das Nações Unidas (ONU).
“A COP não está dando espaço. A COP não reconhece a gente. Não escutam os povos da floresta como deveriam. Estão querendo falar por nós, mas só nós que temos que falar sobre nossas dores. Que os rios estão sendo privados para um corredor do agronegócio”, disse o pajé Nato Tupinambá à Amazônia Real nesta quarta-feira (12), uma das lideranças presentes ao protesto, que foi gravado pelos manifestantes caminhando nas ruas e entrando na área da Zona Azul.
Mesmo com a segurança reforçada nesta quarta, o protesto respingou na Zona Verde, área da COP organizada pelo Brasil, voltada a eventos culturais, científicos e da sociedade civil. À tarde, a equipe da Amazônia Real presenciou indígenas Munduruku serem barrados no acesso ao local por agentes da Polícia Federal. Entre eles, havia mulheres com crianças no colo. Flechas e bordunas foram proibidas de entrar no espaço, que é dos movimentos sociais e da sociedade civil. O Ministério Público Federal interveio.
Marcha do Clima
O protesto na Zona Azul iniciou após o desfecho da Marcha Global Saúde e Clima, na Avenida Duque de Caxias, no bairro do Marco. Em frente ao centro de convenções Hangar, na rua Dr. Freitas, os indígenas ingressaram no local da COP30 reservado para as negociações diplomáticas e eventos paralelos reconhecidos pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). O acesso é restrito e exige credenciamento prévio.
Os manifestantes driblaram a segurança da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), furaram o bloqueio da segurança da ONU e as máquinas de raio-x, ocupando a Zona Azul ao gritos de frases contra a exploração de petróleo na foz do Amazonas e a privatização de rios , além de pedirem demarcação de terras, entre outras reivindicações. Seguranças da ONU tentaram impedir o avanço dos manifestantes, mas quatro deles teriam ficado feridos.
À Amazônia Real, o pajé Nato Tupinambá disse que a intenção era fazer um ritual na frente dos portões da Zona Azul para encerrar a Marcha Global Saúde e Clima, mas um grupo de guerreiros preferiu ocupar a área para expor os projetos econômicos que vão impactar a floresta e os rios.
Ainda de acordo com o pajé Nato Tupinambá, os indígenas estão com saúde sucateada, sem qualidade e sem serviço médico. Estas condições podem ser agravadas com a concessão do rio Tapajós para o agronegócio.
“Isso gera uma indignação na gente. Nossos territórios estão sendo violados todos os dias. Quando se fala em clima, tem que se falar de saúde. O nosso rio Tapajós está sendo privatizado pelo governo do Pará e pelo governo federal. Privatizado para que as barcaças possam navegar no corredor hidroviário. Vão tirar nossos pedrais, nossos peixes, nosso alimento, e nossos lugares sagrados”, afirmou.
Nato Tupinambá alertou que não existe Plano B para a crise climática e que a própria Amazônia, esperança da humanidade, está ameaçada. “A gente quer chamar atenção do mundo para dizer que a Amazônia não está bem. E isso não é nada bom para nós. Isso viola nossos direitos. Nossos territórios. Deixa uma situação precária para as próximas gerações. Falo como amazônida. A Amazônia é meu território, minha casa, meu lugar sagrado. É a minha farmácia viva, como pajé falo isso sem medo”, afirmou.
À reportagem, o pajé negou que o protesto fosse comandado por pessoas ligadas ao PSOL, embora houvesse filiados do partido. “Não confiamos em partido. Não havia indígenas ligados ao partido. Estávamos vindo da passeata, onde havia vários movimentos sociais. Entrou mesmo [no protesto na zona azul] alguém com bandeiras amarelas, pois não foi só indígena que estava lá. Tinha outros povos e pessoas juntos conosco”.
Na tarde desta quarta-feira, lideranças que estavam no protesto concederam uma coletiva à imprensa para explicar o contexto das ameaças e violações na região do Baixo Tapajós. Eles rebateram as acusações de serem “vândalos”, feitas nas redes sociais. Apesar das críticas, reafirmaram a importância da conferência — desde que suas vozes sejam ouvidas.
“Estamos esperando ainda com o presidente Lula, com os governadores. Eles precisam ouvir. Eles se negam a ouvir o que estamos falando. A COP não é construída para nós. Ela é construída para negociar. O TFFF [fundo de financiamento anunciado pelo governo brasileiro] é mais um jogo, como se fosse mercado de carbono, para dividir os povos indígenas”, disse Auricélia Arapiuns durante a coletiva.
Lula irritado, ONU em alerta

Segundo interlocutores, a ação irritou o presidente Lula. Ele foi avisado ainda pela noite sobre o ocorrido, com a situação já controlada, e mostrou insatisfação, avaliando que esse não é o tipo de imagem que o país quer projetar.
Conforme noticiário da mídia nacional, o protesto causou tensão entre o alto escalão e os ministros do PSOL — Sonia Guajajara, Ministra dos Povos Indígenas, e Guilherme Boulos, Ministro da Secretaria Geral da República. Eles teriam sido cobrados por colegas sobre um suposto constrangimento ao governo brasileiro. Oficialmente, eles não se manifestaram sobre o ato.
Como resposta ao episódio, a ONU pediu que a Polícia Federal abra inquérito para investigar a ocupação na COP30. A imagem internacional também preocupa. O protesto não teve a repercussão que poderia, mas levou os seguranças responsáveis pela Zona Azul a reagirem de forma truculenta e esvaziar o local às pressas.
‘Presença de militantes não deslegitima’
Vereadora em Belém (PA), Vivi Reis (PSOL) disse à Amazônia Real que o protesto foi um “grito de alerta” e um ato “legítimo que demonstra a insatisfação de indígenas, da juventude e de muitos ativistas sociais com a COP-30, que é um espaço fechado e uma farsa”.
“Se eles se recusam a ouvir os povos, nós fomos para a Zona Azul chamar a atenção do mundo para a invasão dos territórios indígenas e quilombolas e para a destruição que o agronegócio, a mineração e agora o petróleo tem causado na Amazônia”, disse ela.
Segundo a vereadora, não há “ilusão de que a COP30 traria uma resposta para dar às lutas dos movimentos sociais”.
“O povo da Amazônia sabe que nenhuma conferência patrocinada por petroleiras, mineradoras, bancos e agronegócio trará a mudança real que o planeta precisa”.
Sobre ter filiados do partido, ela disse apenas que “esses não são os elementos principais do protesto e que ter militantes do PSOL não deslegitima o ato”.
Apoios de organizações indígenas

O protesto recebeu apoio do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (CITA), que afirmou em nota que se tratou de uma “mobilização política e legítima, inserida no contexto democrático da livre expressão”. O CITA rejeitou o uso do termo “invasão”, palavra usada por muitos veículos de mídia.
“Não se pode falar de ‘invasão’ a presença de povos que lutam pelo direito de existir e de participar dos debates; invasão é elaborar políticas climáticas sem ouvir os povos que protegem a floresta. Quando as portas permanecem fechadas para nós, a mobilização é o caminho para que as nossas vozes sejam finalmente ouvidas”.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) também se manifestou sobre o episódio, informando que a entidade “não coordenou as atividades da referida manifestação”, mas salientou que “reitera o respeito ao direito de manifestação e à autonomia de cada povo em suas formas próprias de organização e expressão política”.
Conforme a APIB, há mais de 3 mil indígenas brasileiros e estrangeiros presentes na COP. Embora integrem as negociações oficiais da COP30, eles “têm incidido politicamente há mais de dois anos para que suas demandas sejam ouvidas e incorporadas nas decisões sobre o enfrentamento à crise climática.”
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) foi procurada pela reportagem, mas não respondeu até o momento da publicação.
Barrados na Zona Verde

No início da tarde desta quarta-feira (12), indígenas e não indígenas foram proibidos de entrar na Zona Verde da COP30. A justificativa é de que a Polícia Federal ordenou o fechamento dos portões por superlotação. Indígenas do povo Munduruku estavam há mais de uma hora esperando para entrar no espaço para participar do seminário “COP das águas: hidrovias e portos da Amazônia”, no estande do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Trabalho.
Com seu bebê nos braços, a liderança Ediene Kirixi Munduruku, coordenadora da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, disse que os povos indígenas do Brasil são impedidos de se manifestar em seu próprio país.
“A gente precisa falar o que está acontecendo no nosso território e a gente ainda chega nessa porta fechada. Não é para nós que tem que ser fechada essa porta do país. É de outras invasões que entram aqui no território dos indígenas no país. Não aceitamos dessa forma. Não somos vandalismo [sic], não. A gente precisa falar o que está acontecendo. Nós somos humanos. A gente está com criança aqui. Isso não é aceito para a gente. Vamos denunciar isso”, declarou a liderança em entrevista à Amazônia Real.
O MPF acompanhou a situação por meio dos procuradores da República Thais Medeiros e Sadi Machado, afirmando que a contenção da entrada foi uma forma de racismo institucional contra os indígenas. Por volta das 14h50, a Polícia abriu os portões, retirou as bordunas e flechas dos Munduruku e liberou a entrada.
“Inicialmente nos informaram que tinha sido a Polícia Federal por suposta superlotação. Só que o fechamento se deu, conforme nós apuramos aqui, depois que a comitiva dos Munduruku aportou aqui na entrada. Fecharam, depois mudaram a justificativa de que não tinha sido Polícia Federal, não disseram para a gente quem foi e a gente está querendo saber de quem partiu a ordem e qual é a justificativa, porque é absurdo o que está acontecendo aqui”, disse Thais Medeiros.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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