Santarém (PA) – Oficialmente a caminhada pela construção do projeto no estado do Pará iniciou em junho de 2012, sob a coordenação do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (IDEFLOR-Bio), em parceria com o Instituto de Educação do Brasil (IEB), e acompanhamento do Ministério Público do Estado (MPE). A presença do MPE se explica com vistas a atender às normas da Convenção de nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
Como registrado anteriormente, a Convenção 169 tem como parâmetro a participação e a obrigatoriedade de consulta prévia junto às comunidades consideradas como tradicionais, sobre qualquer projeto que possa interferir em seus modos de vida, onde constam: crenças, instituições, valores espirituais e a própria terra que ocupam ou utilizam.
Ela realça a obrigatoriedade ao respeito aos direitos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Nos últimos anos, por conta do avanço da fronteira do grande capital, a Convenção ganhou grande capilaridade no interior das comunidades como instrumento de defesa de seus territórios. Por fomentar o debate sobre a consulta prévia, livre e informada, inúmeras lideranças estão ameaçadas de morte.
A comunidade do Quilombo de Bom Jardim vive às margens do Lago do Maicá. em Santarém/PA, onde o setor de grãos pretende instalar um complexo portuário. Ao arrepio da lei, outros já foram instalados. A comunidade vive sob ameaça e impactada pelo uso de agrotóxico
(Foto: Rogério Almeida).
Para dar vazão à política estadual de manejo comunitário foi criado um grupo de trabalho. O GT promoveu em distintas regiões do estado seminários, oficinas e reuniões presenciais e virtuais, que possibilitaram a participação de órgãos governamentais das diferentes instâncias, não governamentais, sociedade civil, pesquisadores, extensionistas, e o setor privado.
A criação de um observatório sobre o tema com a participação de 60 instituições, predominantemente de organizações comunitárias, ONGs e instituições de ensino e pesquisa representa um dos desdobramentos dos processos de articulação em torno da política.
O processo para a efetivação da política tem sido lento. A primeira versão do texto da minuta da proposta da política data de 2013. O mesmo servirá de base para a criação do decreto estadual para a efetivação da política. O documento contém as principais demandas e propostas das comunidades que empreendem o manejo de base comunitária. No entanto, além de consultas prévias junto às comunidades, faz-se necessário a avaliação da Procuradoria do Estado e da Casa Civil.
Marcos Silva, analista socioambiental do IEB, alerta para a possibilidade de criação de sinergias no interior da esfera pública no sentido de potencializar a PEMFCF em diálogo com a recente criada lei que favorece iniciativas agroecológicas e da biodiversidade. “Aproximando as duas iniciativas na direção em otimizar recursos financeiros, humanos, estruturais e técnicos, noto como grande possibilidade em fortalecer a produção de base comunitária em alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, sinaliza o pesquisador.
O conjunto de ODS representa uma agenda mundial adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável. O Evento ocorrido em setembro de 2015, estipulou 17 objetivos e 169 metas a serem atingidas até 2030. No que pese a formalização de acordos internacionais, o que tem predominado é a sanha do capital e das grandes corporações sobre as riquezas naturais.
Pequena Linha do Tempo sobre o processo da PEMFCF

Relatórios organizados pelo IEB sobre o processo da construção a PEMFCF esclarecem que as oficinas para elaboração da proposta foram realizadas entre setembro de 2012 e maio de 2013 em seis regiões do Estado: Xingu, Carajás, Marajó, Baixo Tocantins, Baixo Amazonas e Tapajós. 488 pessoas dos mais diferentes segmentos participaram dos espaços, relevo para setores comunitários.
Entre 2015 e 2016 a articulação foi retomada com a realização de seminário estadual sobre os rumos para construção da PEMFCF em Portel e Santarém, além de oficinas de trabalho com vistas a fortalecer a iniciativa. O período foi marcado por certa acomodação do Estado, o que obrigou a intervenção do MPE junto ao Ideflor-Bio no sentido de retomar as ações. Nesta direção foram identificados os temas prioritários para consolidação de uma agenda mínima pactuada em 2017.
Ainda em 2017 duas chamadas públicas foram realizadas para viabilizar o fomento de até cinco projetos de Manejo Florestal Comunitário com valor estimado em até no máximo de 50 mil cada projeto, e outra para atualização do diagnóstico do Manejo Florestal Comunitário no Pará.
Por força de cobrança formal do MPE, o Ideflor-Bio retomou as ações da agenda da política em 2018 a partir de realizações de seminários. Soube-se que o tema não estava internalizado na instituição, e que havia três versões da minuta. No intuito de obter maior publicidade sobre a agenda da PEMFCF em junho de 2018 foi publicado o Edital de Convocação para Consulta Pública nº 001/2018, narram os relatórios institucionais do IEB.
Em 2019, a contragosto do manifesto apresentado pelos funcionários da autarquia, que desejavam um colega de carreira, o governador nomeou a pedagoga Karla Bengtson. A educadora é nora do deputado federal cassado por corrupção e pastor da Igreja Quadrangular, Josué Bengtson. O tio da ex-ministra Damares Alves perdeu o mandato em 2018 por envolvimento no crime que ficou conhecido como “Máfia das Ambulâncias”. Em 2023 o avião de Bengston foi detido em Belém contendo 300 kg de maconha do tipo skunk. A droga tinha como destino Petrolina/PE.
Algumas atualizações sobre a questão
A morosidade rege o processo de tramitação da proposta de política de manejo florestal de base comunitária. Entre 2023-2024 ocorreu um debate no Ideflor animado pela professora Gracialda Ferreira sobre a minuta do projeto, que tem a primeira versão datada de 2013. Em seguida, foi encaminhado para a Semas, onde a minuta passou por mais um escrutínio.
Em agosto de 2024, o Observatório realizou uma reunião com as instituições responsáveis pelo processo. Nela foi solicitado vistas e informações sobre o andamento do processo, bem como o teor da política que eles estavam colocando em pauta internamente.
Com a informação em mãos, o Observatório fez um debate sobre o documento. A partir das informações, o coletivo fez sugestões às instituições. As mesmas foram acatadas. O documento foi encaminhado para PGE (Procuradoria Geral do Estado), que sugeriu alguns ajustes no documento. Até o momento o Observatório não tomou conhecimento sobre quais seriam os ajustes encaminhados. Sobre o trâmite do processo sobre a política, coletivo encaminhou à Semas algumas questões, que não foram respondidas.
12 anos depois da primeira versão da minuta, tudo segue a passos de cágado. Nem a agenda da COP 30 conseguiu turbinar o trâmite. Ao contrário do que ocorreu com a política sobre agroecologia, discutido bem depois da política de manejo florestal de base comunitária é já aprovado nas Comissões da ALEPA (Assembleia Legislativa do Pará).
Para além da demanda estadual, o Observatório buscou pautar na esfera federal que o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) retome a política de manejo florestal de base comunitária. Em 2023 o Observatório realizou um seminário em Brasília em parceria com o CNS (Conselho Nacional de Seringueiros). Uma carta foi encaminhada ao governo. Formalmente o ministério respondeu favoravelmente à demanda.
Como é de praxe, um grupo de trabalho foi constituído. Nele constam além do Ministério de Meio Ambiente, o MDA (Movimento de Desenvolvimento Agrário), MPI (Ministério dos Povos Indígenas) e o MIR (Ministério da Igualdade Racial). O GT elaborou uma minuta de decreto.
A comparar com a jornada paraense, tem sido mais célere. Nesta direção o observatório, SFB e os estados estão em constantes debates para a construção de um plano em escala nacional que favoreça o manejo comunitário. Em especial nos estados amazônicos. Assim, o coletivo tem favorecido diálogos com o Pará, o Amazonas e o Amapá. A previsão é que estes serão os estados priorizados para a safra de 2026.
Na ocasião do debate nacional, o Observatório mencionou a morosidade do processo no Pará. No momento, o Amapá, que teve protagonismo no debate, não possui uma política. Todavia, comprometeu-se em elaborar uma carta de intenções sobre a questão a ser apresentada durante a COP.
O Amazonas, apesar de não possuir uma política específica, mantém várias ações governamentais com potencial para convergir em uma política estadual. Neste diagnóstico, o Observatório considera que o estado do Pará está atrasado em uma proposta concreta que contemple a demanda do manejo de base comunitária.
Enquanto no Amazonas, a Resolução CEMAAM nº 35/2022 estabelece critérios específicos para a elaboração dos Planos de Manejo Florestal Sustentável de menor e de maior impacto de exploração. A responsabilidade é atribuição do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas -IPAAM, por meio de sua Gerência de Controle Florestal-GECF. Ele é responsável pelo licenciamento ambiental, monitoramento e fiscalização da atividade de manejo florestal sustentável, assegurando a conformidade com a legislação vigente.
Paralelamente o estado conta com o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas -IDAM, o qual presta a assistência técnica direta às comunidades, apoiando-as na elaboração e gestão dos Planos de Manejo Florestal Sustentável de pequena escala.
Conforme dados do IPAAM, o manejo florestal comunitário configura-se como um dos modelos de desenvolvimento no estado. Esta prática de baixo impacto consiste no uso sustentável de recursos florestais (madeireiros e não madeireiros) por populações ribeirinhas, conciliando a geração de renda com a conservação da floresta.
Por meio deste modelo, as comunidades realizam a extração de madeiras em conformidade com um plano de manejo e um plano operacional anual aprovados, assegurando a sustentabilidade do recurso para gerações futuras. Por conta da vasta extensão territorial, a logística e a sazonalidade da dinâmica dos rios representam gargalos no escoamento da produção, informa a assessoria do instituto.
Estima-se que o estado do Amapá mantém 95% de suas florestas preservadas, apesar de ter experimentado exploração mineral na Serra do Navio, nos anos 1950 e o monocultivo de espécies exóticas na região do Jari, na fronteira com o estado do Pará. Deste conjunto florestal, 73,5% do território está sob algum tipo de proteção.
A Secretaria do Meio Ambiente informa que o Estado do Amapá mantém como eixo estruturante de sua política ambiental a gestão sustentável das florestas públicas, com atenção especial ao manejo florestal comunitário e familiar. Essa diretriz está consolidada nas ações da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA/AP), que coordena políticas e programas voltados à valorização das comunidades tradicionais, povos indígenas e assentamentos rurais situados em áreas de floresta.
A SEMA esclarece que o Amapá foi pioneiro na implementação de Unidades de Manejo Florestal (UMFs) com destinação mista — combinando concessões empresariais e áreas destinadas a manejo comunitário — especialmente na Floresta Estadual do Amapá (FLOTA/AP).
Atualmente, a SEMA/AP executa em parceria com Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) um plano de reordenamento das concessões florestais e fortalecimento do manejo de base comunitária, com foco na geração de renda, inclusão produtiva e segurança jurídica das comunidades.
Leia os artigos da série:
Questão florestal na Amazônia: entre cadeias de crimes e possibilidades de base comunitária
Questão florestal na Amazônia: PAE Lago Grande
Questão florestal na Amazônia: a luta pela efetivação de uma política pública
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