É impossível revisitar o centro de Belém, terra do Tupinambá, e não apreciar a beleza original do lugar chamado de Mairi, nome que significa cidade na língua dos indígenas, também autodenominados de Mairiwara. O território foi invadido pelos portugueses em 1616, que fundaram ali a Cidade Velha, o bairro mais antigo da capital paraense.
“Fizemos nosso Levante Tupinambá que sucumbiu com o assassinato de nossa maior liderança: Guaimiaba. Mas os filhos de Mahyra Tupinambá resistiram e hoje fazem a Retomada para que a nossa história e cultura não sejam apagadas”, diz sobre o episódio a arte educadora antirracista Moara Tupinambá.
“Mahyra é a nossa ancestral que nos ensinou a agricultura ancestral: os segredos da mandioca, do açaí e de todas as riquezas da roça”, completa Moara.
No lugar do chão ancestral de Mahyra, surgiu a Cidade Velha, onde foram construídos casarões – hoje tombados -, muitos degradados e com aspecto de abandono por falta de manutenção do poder público. A imagem contrasta com os barcos toc toc e voadeiras, que navegam a todo instante, transportando desde alimentos a passageiros, pelo rio Guamá, que deságua na baía do Guajará.
Os indígenas Tupinambás lideraram o primeiro protesto na Blue Zone durante a COP3. Veja aqui.
A baía do Guajará fica mais imponente quando observamos o pôr do sol do Mercado do Ver-o Peso ou a Estação das Docas, que ficam no conjunto histórico. Ali não tem jeito. O céu azul lembra a música da Jaloo e MC Tha. Os sons únicos do carimbó, do calypso e do tecnobrega disparam nos nossos ouvidos como um chiclete. É impossível não tomar um tacacá, um suco de cupuaçu, comer um peixe com açaí ou uma unha de caranguejo com uma pimentinha, acompanhada de um chopp de buriti.
Para a cobertura da Conferência do Clima da ONU, a COP30, a Amazônia Real alugou uma casa para hospedar sua equipe no bairro antigo da Campina, próximo da Cidade Velha. Repleto de casarões deteriorados, com muito lixo nas ruas, pessoas em situação de vulnerabilidade social dormindo nas calçadas fedorentas. As ruas do centro da cidade contrastavam com as ruas próximas das instalações modernas das green zone (zona verde) e blue zone (zona azul), estruturas construídas com investimentos dos governos e de mineradoras para sediar a conferência.
Na rua Carlos Gomes, na Campina, próximo a Praça da República, repleta de mangueiras, e o Theatro da Paz, existe um comércio, que vai de padarias, pizzarias, pequenos restaurantes com comida caseira, hotéis, salão de beleza, livreiro, um pub de rock e o Balata – um lugar underground visitado por artistas com música diversa, onde se ouve e dança do hard techno ao funk bruxaria, house, soul, e o famoso rock doido do Pará. Tudo conduzido por DJs amazônidas como Noradrenalina, Nic Dias (Baby Prince$$), Tiana, Sushinotucupi, HBR Pedro, Ciano, DJay, Rodmail e Brunoso (Nico).
Tem também uma banquinha que vende quitutes feitos com capricho e receitas passadas de avó para mãe e filha pela cozinheira Maria Ivanete Ferreira dos Santos. O ponto comercial é dividido com o livreiro e seu marido Anderson Feitas Sales, que mantém um sebo que funciona na parte térreo da casa. Na parte de cima é a casa do casal.

A banquinha, chamada de “Tacacá da Mizinha”, os preços são populares e estão à disposição dos clientes o caldo amazônico feito com goma de mandioca, jambu e camarões, vatapá, empadões, torta de bacalhau, bolos, sucos e até caldo de quenga, feito de macaxeira, pimenta e peito de branco desfiadinho (vejam o vídeo).
Naquele pedaço da rua Carlos Gomes, muitas vezes escura e tenebrosa como nas grandes cidades do sudeste, me senti na vizinhança da comunidade global, como diz o meu amigo Marcelo Carnevale em seus estudos sobre os encontros de pessoas que têm a oportunidade de refletir sobre a coexistência no espaço urbano, a micro política: “avizinhar-se pressupõe um sorriso para a diversidade e a mão estendida para a tolerância ao diferente”.
Ali, em algumas noites dessa jornada, eu, Juliana, Nicoly, Giovanny e Alberto, conhecíamos mais vizinhas e vizinhos, todos com um olhar crítico sobre as obras na cidade da COP30 e com anseio de que venham os benefícios para a melhoria do centro de Belém.

“No bairro Campina é assim, os vizinhos são amigos, a gente se cuida. Mas o meu bairro está muito abandonado, desleixado, precisa de mais policiamento, cestas de lixo, iluminação. Assim como nossa Belém, precisamos de zelo e proteção nos quatro anos (de governo). E não um ano e depois, esquecem da cidade”, diz Ivanete.
Além de ótima cozinheira, Ivanete é conhecedora como ninguém do tecnobrega do Pará. Da sua caixa de som, ela dispara a música da Banda Calypso e da Vivi Batidão para alegrar os clientes exaustos da cobertura da COP30.
Nascida em Marudá, filha de um pescador e uma dona de casa, ambos afrodescentes, o casal teve 12 filhos. Ivanete contou que a banca de alimentos “Tacacá da Mizinha” surgiu de uma ideia da sua sogra, Raimunda Rodrigues de Oliveira, no fim da pandemia do novo coronavírus, em 2022.
“Ela tinha vontade de vender tacacá e me dizia: ‘faz um tacacá que eu vendo’. Coloquei a mesinha aqui na frente. Como ela tinha 90 anos [morreu em 2024], ela me colocou pra vender os alimentos e ficou chamando os clientes: ‘olha o tacacá da mizinha; ‘olha o tacacá da mizinha’”. Aí nasceu”, lembra Maria Ivanete, que é o verdadeiro espírito da vizinhança belenense e de Mahyra.
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