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ToggleBelém (PA) – Povos indígenas, quilombolas, extrativistas, movimentos de mulheres, negritude, juventude e periferias atuam como observadores das mesas de negociações da COP30, na capital paraense. Mesmo sem direito a voto e voz efetivos, podem assistir às reuniões, dialogar com diplomatas e líderes mundiais na Zona Azul e até contribuir com posicionamentos em momentos específicos. Mas essa inclusão está longe de ser a ideal. O idioma é o principal entrave para a efetiva participação dos povos tradicionais. Os pronunciamentos oficiais só podem ser feitos em inglês, e para isso os observadores não falantes da língua inglesa precisam ser acompanhados de um intérprete.
Para a ativista ambiental e comunicadora Samara Borari, jovem indígena do povo Borari de Alter do Chão (PA), o sentimento de observar as reuniões sem poder participar, é de impotência. Credenciada pelo Instituto Criança da Terra, essa é a primeira COP que participa.
“Isso de não poder participar, de não ter uma voz ativa, tem me incomodado muito”, questionou. “A gente faz conexões [com outras pessoas indígenas] para fazer projetos juntos dentro do território, porque, infelizmente, a gente não tem voz ativa aqui como deveria ter. Como é que vão fazer planos para decidir o nosso futuro sem escutar as comunidades que estão sofrendo com a crise climática, nós que estamos na base?”
Samara tenta driblar a falta de participação tentando decifrar as principais pautas discutidas na Zona Azul da COP30 para as pessoas que estão em seu território. Criadora de conteúdo, ela usa seu perfil do Instagram para publicar sobre o que acontece no decorrer dessa semana de negociações. A jovem já falou sobre os financiamentos, as pautas que os povos indígenas têm levantado (como demarcação de territórios) e as suas expectativas em relação à conferência. “Eu acompanhei muito essas negociações, os resultados e os resultados que estão sendo negativos também e querendo compartilhar principalmente na ação climática. Nas negociações políticas mesmo, a gente não consegue participar ativamente”, disse.

“O desafio maior aqui é a língua. Eu não falo inglês, Por isso que eu ando com uma moça que é quem fala inglês. Qualquer dúvida que eu vou tendo, ela tem que ajudar a fazer o diálogo”, confidenciou o líder extrativista Joaquim Belo, secretário de Formação e Comunicação do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS). Enviado especial na COP30, Belo participa pela primeira vez como observador em uma conferência.
O papel dos observadores

Nos bastidores das reuniões oficiais entre diplomatas dos países signatários do Acordo de Paris na COP30, os observadores apoiam as pautas dos seus respectivos movimentos com informações das agendas realizadas a portas fechadas na maior conferência global sobre o clima.
Há três categorias de participantes em reuniões e conferências no processo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC): representantes das Partes da Convenção e dos Estados Observadores, de organizações observadoras e membros da imprensa e da mídia. Os observadores da COP30 fazem parte de organizações intergovernamentais (IGOs) e não-governamentais (ONGs) credenciadas para acompanhar as negociações na Zona Azul.
Um desses observadores é o cacique e defensor ambiental Ninawa Inu Huni Kui, do povo Huni Kuin, do Acre. A liderança vive na Aldeia Iskuyá, no território Hené Bariá, localizado no município de Feijó, e veio para a capital paraense defender direitos e uma pauta específica dos povos indígenas, que é deixar na COP30 o pedido de demarcação de terra como solução real para enfrentar as mudanças climáticas.
Mas o cacique não foi credenciado por organizações brasileiras. Ele transita pelas reuniões na Zona Azul por meio da Rede Ambiental Indígena (Indigenous Environmental Network), organização fundada em 1990 nos Estados Unidos por povos indígenas de base, e que atua pela justiça ambiental e econômica, fortalecendo comunidades e governos tradicionais na proteção de territórios, águas, ar e modos de vida.
“O observador tem esse papel exatamente porque as instituições não são parte das negociações. Não são governo, não são companhias, nem são bancos. E o observador não tem voz nas negociações, porque quem negocia são negociadores do Estado. Não tem quilombola, não tem povos indígenas”, explicou o líder indígena.
Ceticismo sobre resultados

Ninawa não esconde o ceticismo sobre a possibilidade de participação efetiva dos povos tradicionais nas negociações. “Já estamos na trigésima conferência e ainda não teve [participação], então acho que não tem a esperança de ser tão próximo isso acontecer. Agora, claro, tem que ser ampliada a participação da sociedade civil nos eventos paralelos”, afirmou.
A liderança ressaltou que essa COP foi diferente das outras conferências que já participou desde a Rio+20, em 2012, no Rio de Janeiro. A presença expressiva de movimentos sociais criou suas próprias agendas climáticas, sociais e ambientais.
“Geralmente as COPs são só a Zona Verde a Zona Azul. Aqui teve Cúpula dos Povos, com mais de 800 organizações da sociedade civil do mundo inteiro participando. Teve a Aldeia COP, com mais de 3.000 lideranças indígenas de vários lugares participando”, disse.
O número total de inscritos para a COP30 foi de 56.118 pessoas de 194 países, das quais mais de 13 mil pertencem a organizações observadoras (e outras 23.509 a partes/Estados observadores). Nesta COP foram aceitas 125 novas organizações observadoras, sendo 51 delas do Brasil.
Participação social

Entre as organizações observadoras, as ONGs são organizadas em nove “constituencies” – grupos temáticos oficializados pela UNFCCC. São nove categorias que foram reconhecidas formalmente no documento final aprovado na Rio+20. No documento chamado “O Futuro que Queremos”, os observadores foram colocados como atores-chave na implementação das ações de desenvolvimento sustentável.
A partir da COP1, realizada em Berlim, na Alemanha, em 1995, outros grupos começaram a ser incorporados. Algumas das “constituencies” são conhecidas nas COPs por suas siglas em inglês. São elas: ENGO (Organizações Não Governamentais ambientais), BINGO (Negócios e Indústria), RINGO (Organizações Não Governamentais Independentes e de Pesquisa), TUNGO (Organizações Sindicais), YUNGO (Organizações de Juventude), IPO (Organizações de Povos Indígenas), LGMA (Autoridades municipalistas e de governo local), Agricultores e Mulheres e Gênero.
O líder extrativista Joaquim Belo explica que acompanhar a agenda da COP30 é um desafio constante devido à dinâmica intensa e descentralizada dos eventos, distribuídos entre Zona Azul, Zona Verde e outros espaços paralelos como a Cúpula dos Povos, que encerrou no dia 12 de novembro. “A gente cria uma rede de pessoas que vão acompanhar as diversas agendas e compartilhar informações, para a gente poder compartilhar isso com as comunidades. Eu acabei de sair de uma reunião agora que se tratava sobre a luta das comunidades locais do mundo todo para serem reconhecidas dentro da ONU. Elas estão reivindicando a conquista dos seus espaços. Tudo é um processo muito lento”, disse.
Dez anos do Acordo de Paris

Os dez anos do Acordo de Paris orientam as negociações da COP30 em torno de temas centrais, como a avaliação do progresso global rumo à meta de limitar o aquecimento a 1,5°C (uma pauta atualmente travada) e a atualização das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que devem definir novas metas climáticas dos países para 2035. Também avançam as discussões sobre financiamento climático, essencial para apoiar nações em desenvolvimento na adaptação e na transição energética. Outros temas de discussão incluem a transformação da agricultura e dos sistemas alimentares, o fortalecimento da resiliência de cidades e infraestruturas e a promoção do desenvolvimento humano e social. A expectativa é que essas discussões resultem no chamado “Pacote de Belém”, documento que consolidará os acordos e encaminhamentos da conferência.
Embora existam pautas centrais que orientam as discussões, as negociações reais acontecem nos bastidores. Para isso, os observadores contam com uma rede de observadores experientes de várias partes do mundo que ajudam a monitorar as reuniões e alinhar estratégias, especialmente nas pautas que unem todos quando o assunto é Amazônia: conservação da floresta, diminuição da exploração de combustíveis fósseis, direitos dos povos tradicionais e biodiversidade.
Enquanto a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) é liderada por uma NDC indígena, com mais de 30 pontos, seringueiros, extrativistas e os quilombolas também têm suas NDCs. Seus pleitos na COP30, que termina na sexta-feira (21), tem como primeira pauta o reconhecimento de que os povos das comunidades tradicionais são parte importante para a solução da crise climática.
“Aqui se discute mudança climática, mas a discussão principal aqui é economia. É ela que está na pauta. Porque o modelo econômico que colocou nós nesse caos. Os países ricos, que são os grandes responsáveis por isso, são os que mais vão criando barreiras e dificuldades. Eles não querem abrir mão do modelo econômico deles e a gente percebe isso nessas reuniões. O governo americano, por exemplo, não está aqui”, analisou Joaquim.
O movimento extrativista espera ver como compromisso concreto a ser assumido na COP30 a diminuição da exploração de combustíveis fósseis, o aumento do financiamento climático para os movimentos de base, além do reconhecimento formal das comunidades tradicionais como ferramentas de mitigação climática. “É preciso que a gente tenha clareza de qual vai ser a agenda de processo para diminuir essa emissão de gases e a exploração de combustíveis fósseis. Os países precisam ter um papel para reverter essa situação. A economia brasileira, por exemplo, pressiona a Amazônia”, disse a liderança.
O fundo de florestas tropicais

A expectativa da jovem Samara Borari é que os compromissos de financiamentos climáticos, como o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), escutem a cobrança do movimento indígena de repasse de pelo menos 50% do recurso para as comunidades indígenas de base. Anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seu discurso na abertura da Cúpula dos Líderes no começo de novembro, o TFFF irá funcionar como uma ferramenta de financiamento para auxiliar cerca de 70 países na conservação de florestas tropicais.
“Eu espero que a gente possa realmente ter esse financiamento e que ele chegue de verdade até as comunidades. Que não seja só um acordo como todas as outras COPS, onde foram firmados acordos que não nos alcançaram de fato. Teve vários movimentos cobrando para que a gente seja escutado e esses financiamentos também cheguem na ponta para quem realmente protege o território. Só assim que a gente vai conseguir alcançar essas metas climáticas que eles botam aqui em dentro de sala de decisões”, disse.
Joaquim Belo destacou que o planejamento do agronegócio, da indústria petrolífera e da pecuária hoje está orientado para ampliar o desmatamento, enquanto esses setores atuam fortemente fazendo lobby dentro da COP. Mesmo sem direito a voto formal e com as dificuldades de comunicação dos observadores que não falam inglês, as populações tradicionais seguem lutando para que seus direitos – considerados fundamentais para o equilíbrio climático – sejam respeitados e reconhecidos.
“Vamos precisar de financiamento, de muitas outras coisas para fazer isso acontecer. Mas é o desafio que está posto para nossa sociedade. A gente não pode deixar de lutar e oferecer uma chance para as futuras gerações. Nós, populações extrativistas, somos parte desse processo. Estar aqui é botar a voz da comunidade aqui dentro. Das comunidades extrativistas, dos quilombolas, dos ribeirinhos, das quebradeiras de coco babaçu, dos povos indígenas, em uma grande rede fazendo a defesa do bem comum, que é o planeta”, manifestou.
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