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ToggleBelém (PA) – Após três anos de restrições em conferências do clima realizadas em países com regimes autoritários, a sociedade civil global retomou as ruas, agora em Belém, sede da COP30. A Marcha Mundial pelo Clima, realizada na manhã deste sábado (15), reuniu lideranças indígenas, quilombolas, ribeirinhas, movimentos sociais e ativistas que transformaram a capital paraense no palco da principal pressão popular sobre a conferência.
O próprio presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, disse aos jornalistas que reconhece a força da mobilização: “Esses documentos [preparados pela sociedade civil na Cúpula dos Povos] têm uma influência significativa nas negociações”. As edições das conferências no Egito (2022), Catar (2023) e Azerbaijão (2024) ocorreram sob forte pressão da indústria da mineração e também do lobby do setor petrolífero, e sem a presença de marchas.
Depois da primeira semana de COP30, que já é celebrada como o encontro de maior presença da sociedade civil, as reivindicações presenciadas na marcha podem ganhar força na mesa de negociações: demarcação de territórios tradicionais, financiamento climático para uma transição justa rumo a uma economia de baixo carbono, além de ações urgentes para adaptação climática e combate ao aquecimento global.
Contra a privatização dos rios
Várias cobranças ecoaram no trajeto da Marcha Mundial pelo Clima. Uma das mais emblemáticas foi a denúncia contra a política de privatização dos rios amazônicos. Nilva Borari, do povo Borari, participou da marcha ao lado do coletivo musical As Karuana e representou a Associação Kuximawara, formada por artistas e artesãs indígenas de Alter do Chão, distrito de Santarém (PA). Ela reafirmou a defesa dos direitos originários e a revogação do Decreto nº 12.600, de 28 de agosto, do governo Lula.
O decreto incluiu as hidrovias dos rios Tapajós e Tocantins-Araguaia, no Pará, e Madeira, no Amazonas e Rondônia, no Programa Nacional de Desestatização (PND). “Estamos aqui unindo nossas vozes pelos nossos direitos originários, pelo direito de vida do Rio Tapajós, que é a nossa vida e a vida de todo o Pará”, disse em entrevista à Amazônia Real.
Nilva reforçou que a medida traz “grandes mazelas e impactos negativos” para o Tapajós e para as comunidades. O projeto promete entregar mais de 3 mil quilômetros de trechos navegáveis dos rios amazônicos para a iniciativa privada, atendendo aos interesses do agronegócio e outros setores econômicos.
A manifestação deste sábado percorreu cerca de 4,5 quilômetros entre o Mercado de São Brás, no bairro de São Brás, e a Aldeia Amazônica, na baixada da Pedreira. O ato ocorre também para pressionar os organizadores da COP30 a ouvirem o que a sociedade civil tem a dizer. Na sexta-feira (14), os Munduruku se manifestaram pacificamente, bloqueando o acesso à Zona Azul, restrita aos negociadores dos países. Eles tinham reivindicações concretas para que o presidente Lula cancele o decreto de privatização do rio Tapajós. Na noite de terça-feira (11), indígenas e não-indígenas ultrapassaram a barreira do pavilhão que dá acesso à Zona Azul, o que fez a organização reforçar a segurança desde então.
Lutas que se encontram


Thiago Ávila ( Global Sumud Flotilla)e Neide Bandeira (Associação Kanindé) Marcha Mundial pelo Clima, pelas ruas de Belém na manhã deste sábado 15/11). (Foto: Alberto César Araújo/ Amazônia Real).
Os manifestantes entoaram gritos de resistência durante toda a marcha, denunciando os grandes empreendimentos que ameaçam a vida na Amazônia, como a construção da Ferrogrão, ferrovia que atravessará terras indígenas e unidades de conservação em prol do escoamento de grãos do agronegócio.
A ativista e indigenista Neidinha Suruí, que lidera a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, destacou a dimensão política. “Essa marcha é importante porque é a voz do povo. Tem cerca de 50 mil manifestantes dizendo Free Palestine, dizendo não ao petróleo, não ao Ferrogrão. É fundamental ouvir todas essas vozes gritando por demarcação de território indígena, por reforma agrária no País. Essa é a voz do povo que precisa ser ouvida na COP30”, afirmou.
Com manifestantes vindos de todos os cantos do planeta, a luta pela libertação da Palestina e pelo fim do genocídio na Faixa de Gaza também confluíram as demandas populares. Bandeiras palestinas e gritos como “A Amazônia, a Palestina, é pelo clima e contra a chacina” marcaram os passos durante toda a marcha.
COP da sociedade civil

Para Caetano Scannavino, um dos coordenadores da Cúpula dos Povos, esta COP representa um marco após três anos de conferências com forte restrição à sociedade civil. “Esperamos que esse movimento global não seja só um evento, mas algo permanente, capaz de pressionar os tomadores de decisão a abandonar uma lógica que está nos levando ao fim. Não do mundo, mas da Humanidade”, disse.
Ele enfatizou que, realizada na Amazônia e com a maior participação indígena da história das conferências, a COP30 cria uma oportunidade única para que o pensamento ancestral seja ouvido. “Quando falamos de outra forma de viver, não estamos falando só de carbono. Estamos falando de cooperação acima da competição, de colocar o coletivo antes do individual, estamos falando de ser feliz. Não é felicidade pelo consumo, mas pelo bem-viver. Se destruirmos este modo de vida ancestral, seja na Amazônia, na África, na Ásia, nós nos destruiremos a nós mesmos”, afirmou.
Do Quilombo Urbano Liberdade, em São Luís (MA), Ivana Braga defendeu que a mobilização reacende o trabalho de base. “O sentido da marcha é ver essa pujança dos movimentos sociais, porque a gente tem visto muita desmobilização em relação às lutas sociais. Quando a gente está aqui e vê o povo na rua e vê as discussões, isso também fortalece a gente a voltar para nossas bases e compartilhar o que a gente aprendeu”, disse. “É uma questão da educação popular para a gente fazer esse trabalho de base. É prova de que existe alternativa.
Entre os manifestantes Angela Bandeira, de Soure, cidade na região do Marajó, defendeu a espiritualidade amazônica e as tradições de matriz africana, relatando o preconceito sofrido por sua comunidade na realização de eventos culturais. “A gente está aqui para lutar pela natureza. Eu sou umbandista, sou pajé, trabalho com os espíritos curandeiros, e a gente vai conseguir o que queremos”, afirmou.
A força do ‘artivismo’

A programação também incluiu o “artivismo” com manifestações culturais que aliaram a cultura popular à luta. O Boi da Terra, grupo cultural do bairro da Terra Firme, periferia de Belém, e o Arraial do Pavulagem, patrimônio cultural do Pará e manifestação cultural do Brasil, transformaram a Marcha Mundial pelo Clima em festejo.
Segundo Júnior Soares, músico e co-fundador do Arraial do Pavulagem, o grupo trabalha há 38 anos na defesa da Amazônia. “Nada mais natural do que estar aqui neste momento com todo mundo, nessa celebração, nesse encontro de pessoas que acreditam que a Amazônia precisa ficar em pé para que nós sobrevivamos plenamente nela”, resumiu.
Magna Souza, moradora de Belém há 25 anos, resumiu o sentimento de urgência que atravessou os discursos proferidos durante todo o trajeto da Marcha Mundial pelo Clima. “Estamos aqui para cobrar dos poderes públicos. O mundo inteiro está voltado para o meio ambiente porque isso define a vida de todos os seres. A marcha é um grito de socorro. Não estamos aqui para tirar foto, estamos pedindo que o mundo pare e resolva essa situação climática”, manifestou.
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