Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Estaremos já condenados a uma catástrofe climática?

Estaremos já condenados a uma catástrofe climática?


Em 04 de fevereiro deste ano, o renomado cientista climático James Hansen afirmou que mesmo o limite de 2°C para o aumento da temperatura média global acima da média de 1850 a 1900 está “morto” [1], e em 22 de outubro, o secretário-geral da ONU, António Guterres, declarou que o limite de 1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris não será atingido [2]. Alguns acreditam que tais declarações não deveriam ser feitas, pois a população poderia ficar paralisada pelo medo e deixar de agir para conter as mudanças climáticas. Este autor acredita que o perigo não deve ser minimizado nem exagerado, e que as melhores estimativas atuais devem sempre ser divulgadas publicamente e explicadas em linguagem clara.

Inércia climática e a dificuldade de deter o aquecimento global

Interromper o aquecimento global antropogênico não é tão simples quanto muitos acreditam. Mesmo cortes drásticos nas emissões antropogênicas podem ter um efeito limitado a curto prazo tanto nas concentrações de CO₂ na atmosfera quantonas temperaturas globais. Isso é ilustrado pela redução no uso de petróleo como combustível resultante de grandes aumentos nos preços globais do petróleo. Em 1973, com a formação do cartel da OPEP, composto por países exportadores de petróleo, o preço do barril aumentou praticamente da noite para o dia, quintuplicando de US$ 2 para US$ 10 (Figura 1). Qualquer mudança na taxa de aumento da concentração global de CO₂ éimperceptível na “curva de Keeling” de CO₂ medida em uma montanha no Havaí, distante de quaisquer cidades ou outras fontes pontuais de CO₂ (Figura 2). O mesmo se aplica aos aumentos de aproximadamente duas vezes no preço do petróleo após 1980 e 2003. A concentração de COtem aumentado constantemente, atingindo 425,7 partes por milhão em volume em 1º de novembro de 2025 [3]. Outros eventos importantes, como a recessão global de 2008 e a pandemia de COVID-19 de 2020-2023, também são praticamente imperceptíveis.

Figura 1. Preços do petróleo nominais e ajustados pela inflação [4].

Figura 2.Concentração de CO2 na atmosfera desde 1958 medida em Mauna Loa, Havaí [3].

A dificuldade em conter o aquecimento global também é demonstrada pelas projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para a temperatura média global em diferentes cenários (Figura 3). A curva superior na Figura 3 representa um cenário com a continuação do comportamento das emissões passadas (ou seja, sem mitigação), e as outras curvas pressupõem reduções significativas nas emissões antropogênicas globais. Todas as curvas estão praticamente sobrepostas durante os primeiros 15 anos das projeções e, nos 15 anos seguintes, permanecem próximas, sem nenhum benefício substancial em termos de temperatura decorrente dos presumidos programas de mitigação. Somente algumas décadas depois é que se observam grandes diferenças de temperatura entre os cenários.

A enorme quantidade de calor armazenada nos oceanos é um fator importante na inércia do sistema climático em relação à redução da temperatura. Isso significa que, na realidade, não sabemos se o aquecimento global ainda é controlável, pois as chances de ultrapassar um ponto de inflexão são substanciais ao longo de um período de 30 anos ou mais de aumento contínuo da temperatura. Note que todos esses cenários, incluindo a curva superior, pressupõem que nenhum ponto de inflexão será ultrapassado, com a temperatura global aumentando ao longo de uma curva suave até 2100. Essa suposição pode muito bem estar errada.

Figura 3. Temperatura média global histórica até 2015 (ºC acima da média de 1850-1900) e cenários do 6º relatório de avaliação do IPCC sobre as temperaturas médias globais futuras até 2100 ([5], p. 22)..

Pontos de inflexão na Amazônia e no sistema climático

Os pontos de inflexão são explicados pelo IPCC como o ponto em que um estressor faz com que um ecossistema mude de um estado de equilíbrio para outro. Por exemplo, a floresta amazônica pode ser substituída por uma savana devido ao estresse causado por temperaturas mais altas, estações secas mais longas, secas mais frequentes e uma maior porcentagem de floresta perdida por desmatamento (o que reduz a evapotranspiração que mantém a precipitação na floresta remanescente). O lado direito da Figura 4 ilustra o fato de que, mesmo que o estressor que causou a mudança de estado seja removido, o ecossistema pode continuar em seu novo estado de equilíbrio em vez de retornar ao estado original.

Figura 4. Explicação dos pontos de inflexão pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas ([6], p. 775).

A percepção popular de como os pontos de inflexão funcionam pode ser enganosa. Frequentemente, os pontos de inflexão são retratados como estar à beira de um precipício, onde mais um passo leva a uma queda fatal certa. No entanto, esses pontos de inflexão representam, na verdade, um ponto em que a probabilidade anual de ocorrência do evento catastrófico aumenta drasticamente. Isso significa que o evento catastrófico pode não acontecer imediatamente, mas, com o passar do tempo, a probabilidade cumulativa de o evento ocorrer pelo menos uma vez aumenta rapidamente e, em poucos anos, se aproxima de 100%.

O Acordo de Paris estabelece atualmente que os países signatários devem reduzir suas emissões o suficiente para impedir que a temperatura média global ultrapasse 1,5 °C acima da média do período de 1850-1900. A marca de 1,5 grau representa um ponto de inflexão no sistema climático global [7] e em diversos ecossistemas e processos marinhos e terrestres críticos, incluindo a manutenção da Floresta Amazônica [8, 9]. Observe que a temperatura média global é fortemente influenciada pelas temperaturas do ar sobre os oceanos, que cobrem 70% do planeta e onde as temperaturas do ar são mais baixas do que sobre os continentes. Deve-se notar também que determinar se o limite de 1,5 °C para o aumento da temperatura média global foi ultrapassado depende de como essa determinação é feita. O IPCC exige atualmente 20 anos de dados para determinar a temperatura média global, mas em janeiro de 2025, dois artigos independentes publicados na revista Nature Climate Change, utilizando diferentes métodos estatísticos, demonstraram que um período muito mais curto é suficiente para essa determinação [10, 11]. Claramente, os últimos anos apresentaram temperaturas substancialmente mais altas do que a média de 20 anos. Já se passaram quase dois anos com a média global acima de 1,5 ºC.

Já ultrapassamos o ponto de inflexão?

A questão de saber se já ultrapassamos um ponto de inflexão que leva a uma catástrofe climática paira sobre as negociações climáticas internacionais e sobre a população da Amazônia, do Brasil e do mundo. Estamos muito próximos de pontos de inflexão tanto no sistema climático global quanto na floresta amazônica. Ultrapassar qualquer um deles levaria ao aquecimento global fora do controle humano, com a temperatura aumentando rapidamente devido a emissões que não são emitidas diretamente por ações humanas, como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento, mas sim por emissões “indiretas” não intencionais causadas pelo aquecimento global antropogênico.

À medida que a temperatura aumenta e as secas se intensificam, há mais incêndios florestais (por exemplo, [12, 13], todos os solos do mundo aquecem e emitem carbono, como já está ocorrendo no solo sob a floresta amazônica intacta [14], o permafrost derrete, expondo a turfa e emitindo metano e CO₂, e os oceanos, ao aquecerem, absorvem menos CO₂ atmosférico. Se essas emissões indiretas forem maiores do que as emissões deliberadas (ou seja, 16 bilhões de toneladas de carbono por ano: [15]), o aumento da temperatura global não poderá ser interrompido mesmo que a sociedade humana reduza suas emissões diretas a zero, pois o ciclo de retroalimentação positiva entre o aumento da temperatura e o aumento das emissões indiretas continuará a impulsionar a elevação das temperaturas.

Estamos próximos de um ponto de inflexão para a floresta amazônica. Por exemplo, Bernardo Flores e colaboradores [16] calcularam que 10-47% da floresta amazônica estariam sujeitos a colapso até 2050, considerando as tendências atuais (Figura 5). Essa área não se limita à floresta próxima à borda do Cerrado, onde já há indícios de que o colapso está começando [17, 18], mas inclui a área ao redor de Manaus, ao longo de toda a rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) e grande parte da vasta área de floresta intacta do Trans-Purus, na porção oeste do estado do Amazonas. Essa área possui um enorme estoque de carbono [19]. Se o colapso ocorrer ao longo de pouco anos, a quantidade de gases de efeito estufa emitidos seria mais do que suficiente para levar o clima global além do seu ponto de inflexão [20], causando um aumento das temperaturas por tempo indeterminado, mesmo que a sociedade humana reduza suas emissões diretas (principalmente combustíveis fósseis e desmatamento) a zero.

Figura 5. Mapa dos resultados de Flores et al. [16] indicando a rota da BR-319 com o maior risco de colapso e grande parte da região Trans-Purus também com risco alto. (Mapa de: [21]).

Consequências de ultrapassar um ponto de inflexão

Se o aquecimento global sair do controle humano, múltiplas catástrofes podem ser esperadas no Brasil e em todo o mundo. No Brasil, estas incluem a perda do que resta da floresta amazônica, juntamente com os serviços ambientais que ela presta, como a reciclagem da água transportada para fora da Amazônia pelos ventos conhecidos como “rios voadores”, que fornecem chuvas essenciais para muito da agricultura do país e para o abastecimento de água de grandes cidades como São Paulo (por exemplo, [22-25]. A região semiárida do Nordeste brasileiro se tornaria um deserto (por exemplo, [26]), expulsando dezenas de milhões de pessoas que dependem da agricultura. A elevação do nível do mar e tempestades muito mais intensas impactariam a densa população costeira do Brasil [27]. As “surpresas” climáticas, ou seja, eventos não previstos pelos modelos climáticos, como as inundações de 2024 no Rio Grande do Sul [38] e a inundação de 2014 no Rio Madeira [29], se tornariam mais comuns [30].

A mortalidade em massa é a consequência mais assustadora, e o público em geral ou desconhece esse impacto ou prefere não pensar nele. Com temperaturas em ondas de calor bem acima de 50 ºC, os seres humanos simplesmente morrem [31-34], da mesma forma que os botos morreram em temperaturas da água de até 40 ºC em 2023 e 2024 [35, 36]. As pessoas idosas e as crianças pequenas morrem primeiro, mas, com essas temperaturas, todas as faixas etárias teriam alta mortalidade. A maior parte da população brasileira não tem ar-condicionado, mas a elite urbana que tem não escaparia, pois, se ocorrer um evento de grande mortalidade, não se pode esperar que os serviços públicos e privados continuem funcionando normalmente, incluindo o fornecimento de energia elétrica.

A necessidade de o governo brasileiro mudar de rumo.

Sob a atual administração presidencial brasileira de Luiz Inácio Lula da Silva (conhecido como Lula), o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, liderado por Marina Silva, tem feito um excelente trabalho no combate ao desmatamento ilegal por meio de inspeções e multas, com a taxa anual de desmatamento de julho de 2024 a agosto de 2025 caindo para o menor nível desde 2014, de acordo com dados preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais [37]. No entanto, praticamente todo o restante do governo atua na direção oposta, com políticas que aumentam o desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa [38].

O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima apenas reprime o desmatamento ilegal, mas o desmatamento legal está sendo incentivado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que legaliza reivindicações de grilagem de terras e a ocupação ilegal de terras públicas. Isso, na prática, legaliza o desmatamento existente e permite que os beneficiários obtenham permissões para desmatar legalmente nos anos subsequentes. Isso também estimula cada vez mais a apropriação de terras e a ocupação ilegal [39-41], e a taxa de desmatamento também aumenta nas propriedades rurais tituladas [42].

O Ministério de Agricultura e Pecuária intensifica o desmatamento legal por meio de financiamento subsidiado para pastagens e soja na Amazônia e para a conversão de pastagens em plantações de soja em todo o Brasil, o que representa uma força importante no desmatamento da Amazônia, pois os pecuaristas não se convertem em produtores de soja, mas vendem suas terras a plantadores de soja a um preço elevado por hectare e investem o dinheiro na compra e desmatamento de áreas muito maiores de floresta tropical barata na Amazônia [43-45]. O Plano Safra do Ministério, de julho de 2025, que oferece um valor recorde de R$ 516,2 bilhões (US$ 94 bilhões) para a “agricultura empreendedora”, concede o maior nível de subsídio (empréstimos com juros 6,5 pontos percentuais abaixo do que o governo paga para financiar a si mesmo) para a “transformação”, ou seja, a conversão de pastagens em plantações de soja [46].

O Ministério dos Transportes promove a construção e a melhoria de rodovias na Amazônia, o que aumenta a lucratividade do desmatamento para a agricultura e a pecuária, além de elevar o valor da terra e a rentabilidade da especulação imobiliária (outro fator importante do desmatamento: [45, 47,48], bem como abre vastas áreas da floresta tropical para a entrada de desmatadores. A maior ameaça atualmente é a iminente aprovação da reconstrução da rodovia federal BR-319, após a qual se pode esperar que o governo do estado do Amazonas prossiga rapidamente com seus cinco projetos de rodovias que se conectariam à BR-319, incluindo a AM-366 e a AM-343, o que abriria a crucial região Trans-Purus para o desmatamento [49-53].

O processo de licenciamento ambiental prossegue com as autoridades federais assumindo que não têm responsabilidade pela catástrofe climática que a BR-319 provavelmente provocará por meio das rodovias estaduais planejadas no Amazonas [54]. Um evento preocupante para a BR-319 foi a aprovação, em 20 de outubro de 2025, da perfuração exploratória de petróleo na foz do Rio Amazonas, contrariando a equipe técnica do departamento de licenciamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). A realização de uma “simulação” de resgate da fauna serviu de estímulo para a pressão final sobre o órgão, apesar da “simulação” ter apresentado um resultado negativo, sugerindo que a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) em curso para a BR-319 provavelmente desempenhará um papel semelhante, independentemente das conclusões do relatório [55].

O Ministério de Minas e Energia e a Petrobras, empresa estatal de petróleo, são atores-chave nas emissões presentes e futuras provenientes de combustíveis fósseis. Novos campos de petróleo e gás estão sendo abertos tanto no mar quanto na floresta amazônica, enquanto os campos existentes estão sendo expandidos rapidamente. Os mais emblemáticos são os campos planejados na foz do rio Amazonas [56-58] e aqueles planejados na região Trans-Purus, com acesso a partir da rodovia BR-319 [59, 60]. A abertura de novos campos de perfuração segue uma lógica econômica diferente da continuação da extração em campos existentes, e foi isso que levou a Agência Internacional de Energia (IEA) a recomendar que não se abram novos campos de petróleo ou gás em todo o mundo e que se reduza gradualmente a extração nos campos existentes para atingir emissões líquidas zero em 2050 [61]. Por exemplo, o projeto da foz do Amazonas deverá levar cinco anos para iniciar a produção em níveis comerciais, outros cinco anos para amortizar o investimento e, como os investidores não vão querer parar com lucro zero, implica a continuidade da extração muito além do momento em que o mundo inteiro deverá parar de usar combustíveis fósseis [62, 63]. O ministro de Minas e Energia chegou a afirmar que “o Brasil vai explorar petróleo até ter nível [econômico] de país desenvolvido” [64].

Projetos para extração de combustíveis fósseis, como os campos petrolíferos propostos na foz do rio Amazonas, são apresentados como decisões políticas [65]. A suposição é que todo o resto deve simplesmente se adaptar a esse contexto. Infelizmente, nenhum político ou outro ser humano controla o sistema climático global, que simplesmente reage ao nível de gases de efeito estufa na atmosfera, independentemente de quem os emitiu, se a emissão foi legal ou ilegal, ou se foi feita por uma boa causa ou não. Se o presidente Lula acordará para a crise climática é uma grande incógnita [66, 67]. Com exceção de Marina Silva, o presidente se cercou de ministros e chefes de agências que fornecem um fluxo constante de desinformação [68]. Os mais importantes são os ministros de Minas e Energia, Transportes e de Agricultura e Pecuária, e os chefes do INCRA e da Petrobras. Essa mudança de rumo não é importante apenas para reduzir as emissões do Brasil, mas também para permitir que o Brasil lidere pelo exemplo na luta para evitar uma catástrofe climática global que dizimaria o país [69].

Conclusões

É bem possível que já tenhamos ultrapassado o ponto de inflexão tanto na Amazônia quanto no sistema climático global. Mesmo assim, precisamos agir, pois não temos outra escolha. Mudanças radicais devem começar imediatamente para interromper rapidamente a extração e o uso de combustíveis fósseis e, na Amazônia, para deter o desmatamento e a exploração madeireira, tanto legal quanto ilegal. O presidente do Brasil deve induzir seus representantes a seguirem esse novo rumo ou substituí-los por pessoas que o façam. Os mais importantes são os ministros de Minas e Energia, dos Transportes e de Agricultura e Pecuária, e os presidentes do INCRA e da Petrobras.

As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
Ver post do Autor

Postes Recentes