Belém (PA) – A realização da COP30 em Belém transformou a cidade em um palco, talvez inédito, de programações culturais diversas. É uma efervescência que acende um possível debate sobre a continuidade dessa movimentação pós-Conferência. Nesse momento, são dezenas de eventos, exposições, shows e debates que dialogam, cada qual a seu modo, com sustentabilidade, diversidade e justiça climática. Museus, praças, teatros e espaços históricos se abrem para o mundo, transformando o centro histórico e a orla em circuitos de arte, ciência e, em alguns casos, resistência.
A recém-inaugurada CAIXA Cultural, no Porto Futuro II, exibe Paisagens em Suspensão e obras do coletivo indígena MAHKU, enquanto o Parque Urbano Porto Futuro recebe a mostra Amazônia, de Sebastião Salgado, e a exposição Ajuri.
O circuito se expande para outros espaços. O Centro Cultural Banco da Amazônia apresenta Habitar a Floresta e Mandela, Ícone Mundial de Reconciliação; o Museu do Estado do Pará traz Vidas, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas, sob curadoria de Ailton Krenak; e o Museu de Arte Sacra exibe mostras sobre o Círio, alimentação e ancestralidade. No Parque do Utinga, é inaugurado o Memorial Verônica Tembé, e o Espaço São José Liberto celebra a economia criativa amazônica com o Museu de Gemas.
Fórum Landi

Entre as novidades, o Fórum Landi reabre suas portas na Praça do Carmo após restauração, com programação gratuita até 23 de novembro. Exposições como O Caminho da Energia e Futuros Urbanos Ancestrais marcam o retorno do edifício histórico, que se consolida como um novo centro de debates sobre urbanismo, sustentabilidade e Amazônia.
A Praça da Bandeira recebe a Freezone Cultural Action, voltada à juventude e à justiça climática; o Teatro Margarida Schivasappa acolhe A COP das Mulheres; e o Teatro Waldemar Henrique se transforma na Central da COP, com apresentações de Lenine, Toquinho, Leo Gandelman e da Amazônia Jazz Band. Há também a Bienal das Amazônias, que apresenta a exposição Clima: O Novo Anormal, dirigida por Fernando Meirelles.
A programação alternativa soma-se à diversidade cultural que toma conta da cidade — como o “Chiquita Day”, edição especial da histórica Festa da Chiquita, reconhecida como patrimônio imaterial e ícone LGBTQIAPN+ de Belém.
Círculo dos Povos

O Pavilhão do Círculo dos Povos será um dos principais espaços de diálogo entre saberes tradicionais e políticas globais de enfrentamento à crise climática. Localizado na Zona Verde, o pavilhão é uma iniciativa conjunta dos ministérios dos Povos Indígenas (MPI), Igualdade Racial (MIR), Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).
Sob a liderança da ministra Sonia Guajajara, o Círculo dos Povos busca ampliar a escuta e a participação de povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, afrodescendentes e agricultores familiares nas discussões globais. O espaço será coordenado pela Comissão Internacional Indígena, presidida pela própria ministra, e pela Comissão Internacional de Comunidades Tradicionais, Afrodescendentes e Agricultura Familiar, dirigida pela ministra Anielle Franco.
A programação reúne centenas de lideranças, organizações e movimentos sociais em torno de temas como justiça climática, racismo ambiental, soberania alimentar, tecnologias ancestrais e bioeconomia sustentável. Entre os destaques, estão os painéis O Cuidado das Geleiras e as Interconexões entre Territórios, Rios e Montanhas Sagradas (Confederação Indígena Tayrona – CIT); Território, Tecnologias Ancestrais e Justiça Climática, promovido por mulheres quilombolas do Pará; e Favela, Periferia e Justiça Climática, com participação da PerifaConnection.
Outros debates abordarão juventudes pelo clima, consentimento livre, prévio e informado, bioeconomia indígena, financiamento climático e filantropia comunitária. O Círculo dos Povos também promoverá oficinas, rodas de conversa e rituais tradicionais, como o Ritual de Abertura da COP Indígena, coordenado pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
Entre as organizações participantes estão COIAB, CONAQ, FONSANPOTMA, Global Witness, Instituto Alana, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e Conservação Internacional. As atividades incluirão o lançamento do Plano de Ação para o Bem Viver – Mulheres Amazônidas Negras Decidem, debates sobre afroturismo, migração e resistência do povo Warao, além da Carta COP30 das Favelas e a exibição do Museu Móvel de Resistência Quilombola do Quilombo Boa Esperança.
Mostras de Cinema

Durante a COP30, Belém se torna também palco de uma série de mostras cinematográficas que abordam a crise climática, a Amazônia e os povos indígenas.
De 12 a 14 de novembro, o Cinema da Terra ocupará a Sala de Projeção da Faculdade de Artes Visuais da UFPA, com programação audiovisual que integra a Cúpula dos Povos, evento paralelo à COP30. Organizado pelo Coletivo de Comunicação Popular Sem Terra Ulisses Manaças (MST Pará), o espaço se transforma em ponto de encontro entre arte, militância e imaginação coletiva, reunindo produções que refletem as lutas, a diversidade e os modos de vida dos povos da Amazônia e de outras regiões do Brasil.
Até o dia 21 de novembro, ocorre a Mostra de Cinema Pachamama, com exibições no Espaço Chico Mendes & Fundação Banco do Brasil, no Museu Goeldi.
A 10ª Mostra de Cinema da Amazônia, em parceria com o Observatório do Clima, exibe o premiado documentário A Queda do Céu, de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, com a presença do líder Yanomami Davi Kopenawa, em sessão especial no dia 13 de novembro, no Instituto Ciência de Arte. O filme é baseado no livro homônimo de Kopenawa e Bruce Albert, e propõe uma reflexão profunda sobre espiritualidade, destruição ambiental e sabedoria indígena. No dia 15, será exibido o filme Amazônia, a Nova Minamata, de Jorge Bodanzki.
No dia 14 de novembro, o HUB Amazônia, na Green Zone do Parque da Cidade, recebe a exibição de Rua do Pescador nº 6, de Bárbara Paz, sobre as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em 2024. O documentário será seguido de debate com a diretora e lideranças socioambientais.
Obviamente que todo esse leque de programação não pode ser analisado apenas de forma acrítica. É como avalia, por exemplo, a jornalista e produtora Márcia Lima. “É importante que a cidade viva esse momento em que o mundo inteiro pode descobrir ou redescobrir a nossa riqueza cultural, que população possa se sentir inserida na programação mesmo que seja indo a exposições e shows, e mesmo para movimentar a economia dos pequenos que costumam ver um fluxo desse tipo apenas no Círio”, reconhece ela, para em seguida refletir mais profundamente. “Ao mesmo tempo é um perigo muito grande que a programação cultural e as pautas pitorescas e de curiosidade (quase sempre flertando com racismo) não permitam que a maior parte da população entenda o risco que uma COP bancada pelas grandes empresas possa simplesmente destruir o pouco que a gente (e a nossa população originária e quilombolas) tenta preservar”, complementa.
Márcia Lima entende que há sempre os dois lados da moeda. “Por que são as grandes empresas que estão “patrocinando” a COP no Pará, apoiadas por um governo do estado que faz um discurso e tem outra ação. A emergência climática que vai afetar primeiro os mais pobres já está entre nós e quando uma grande empresa patrocina algo ela tem certeza que não verá seus recursos rejeitados numa eventual defesa das necessidades do povo”.
Olhar crítico

Já o produtor cultural Marcelo Damaso, organizador do Festival Se Rasgum, de música independente, tem um olhar bastante crítico ao que se vê na cidade. “Eu não consigo achar que a COP30 beneficiou o cenário cultural de Belém. Maioria dos meus parceiros de produção estão se sentindo diretamente afetados pelo evento, sem patrocínio, sem apoio e esperando ansioso isso tudo acabar”.
Damaso vai além. “A programação cultural oficial da COP30 é exatamente o que se espera de uma festa para gringos e gente de fora que quer se deslumbrar com essa Amazônia moderna, do Carimbó, guitarrada, brega, tacacá, jambu. Pra quem está aqui embalando essa cena há mais de 20 anos, como nós, nada de novo. Até porque quem manda na grana é quem vem de fora, e essa galera quer mais do mesmo”.
Ou seja, a programação cultural da COP30 segue o mesmo diapasão do evento como um todo. É importante, tem diversidade, mas também é passível de olhares críticos necessários. É assim que tem de ser.

Fotografias da exposição do Movimento Mahku, na Caixa Cultura(Divulgação).
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
Ver post do Autor





