As grandes estruturas escavadas no chão por povos originários, há mais de 2 mil anos, foram descobertas na década de 1970. Nesta sexta-feira, uma exposição com 27 fotografias entra em cartaz no Musa.
Manaus (AM) – Geoglifos são estruturas escavadas no solo por povos do passado há mais de dois mil anos e já foram identificadas em diferentes partes do mundo. Um dos sítios arqueológicos mais famosos são as Linhas de Nazca, no Peru. No Brasil, há uma concentração magnífica de geoglifos principalmente no Acre, mas também no sul do Amazonas e em Rondônia.
Para visualizar com precisão esses desenhos, a melhor opção é em sobrevoos de avião. E foi isso que os fotógrafos Diogo Gurgel, Hudson Ferreira e Valter Calheiros fizeram em diferentes datas na Amazônia Ocidental. Os registros dos três fotógrafos poderão ser presenciados na exposição intitulada “Expedição – Desvelando o Passado Profundo”, que começa nesta sexta-feira (10), no Museu da Amazônia (Musa), no Jardim Botânico de Manaus (zona norte da capital). A exposição será permanente.
À frente das pesquisas atuais sobre geoglifos no Acre, Amazonas e em Rondônia está o paleontólogo e professor aposentado da Universidade Federal do Acre (Ufac), Alceu Ranzi. Há quase 50 anos, quando era estudante, ele participou de uma expedição comandada pelo renomado pesquisador Ondemar Dias, historiador e pioneiro da arqueologia brasileira. Ranzi passou a se dedicar mais intensamente às pesquisas e divulgação dos geoglifos há 25 anos. Hoje, ele lidera o Instituto Geoglifos da Amazônia, entidade criada para divulgar e promover ações de defesa desses sítios.
“Os construtores de geoglifos, verdadeiros engenheiros, arquitetos e matemáticos dos tempos antigos, detinham o saber sobre a paisagem. Conheciam a geomorfologia, para escolher os lugares para a construção de geoglifos monumentais. Escolhiam locais elevados e planos, com nascentes de água potável”, explica Ranzi, em entrevista à Amazônia Real.
Hoje, há mais de mil sítios arqueológicos identificados no Acre, Amazonas e em Rondônia. No Amazonas, elas estão mais presentes em grandes áreas dos municípios de Boca do Acre e Lábrea. Uma das principais ameaças são o desmatamento da floresta e os impactos de grandes empreendimentos econômicos.
Os geoglifos têm diferentes tamanhos, desenhos e relevos. No Brasil, a maioria possui formas geométricas. Muitos deles estão próximos a cursos d’água. O contexto e a função dos geoglifos criações ainda estão no campo das conjecturas.
“Apesar do já longo tempo que se tem conhecimento dos geoglifos, temos mais perguntas do que respostas. Ainda nem se conhece a real extensão da distribuição geográfica dos geoglifos. Já são conhecidos mais de mil geoglifos espalhados pelo Acre, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso”, afirma Ranzi, que também é um dos coordenadores da exposição no Musa.
A exposição no Museu da Amazônia terá 23 fotografias tiradas em diferentes datas e áreas da Amazônia Ocidental. Conforme Hudson Ferreira, do Instituto Geoglifos da Amazônia e um dos autores das fotografias, as imagens estão localizadas em sítios e fazendas.
“Os geoglifos revelam um passado complexo, desafiam mitos sobre o vazio verde e inspira novas práticas no presente. São fontes de pesquisas científicas, recursos para a educação, pilares para o turismo sustentável e marcas das memórias dos povos ancestrais. Ao valorizá-los, construímos um futuro mais justo, inteligente e conectado às raízes do nosso território”, explica Hudson Ferreira.
Valter Calheiros, educador, ativista ambiental e fotógrafo, conta que suas fotografias foram feitas em maio deste ano. Ele relata como foi a experiência: “Registrar essas estruturas geométricas que desvendam segredos da ocupação da Amazônia foi uma realização como educador ambiental, como cidadão e pesquisador das águas e das florestas. A cada amanhecer na floresta, com visão privilegiada das alturas num pequeno avião, sentia a responsabilidade de fazer registros simples que nos leve a agir e despertar para a proteção da natureza amazônica, e através das fotos fazer chegar tanta beleza aos olhos de quem não consegue vir apreciar aqui de pertinho, das alturas sobrevoando como um pássaro”.
Para Calheiros, os registros trazem responsabilidades como agentes anunciadores de um momento histórico que precisa ser incentivado nas pesquisas das academias, nas escolas e nos espaços culturais de exposições, para eternizar o legado confiado.
“Pesquisar e registrar os geoglifos deve ser compromisso de políticas públicas, das universidades e de centros de pesquisas, dos museus. Assim, criamos possibilidades para entender melhor as mensagens deixadas pelos povos originários da Amazônia.”
Ameaças e desmatamento

O professor Alceu Ranzi explica que os padrões dos geoglifos encontrados nesta área do Brasil são “diversos e muitos formam verdadeiros conglomerados, com estradas e caminhos que os conectam”. Ele afirma que “a geometria perfeita e a monumentalidade são características comuns quando falamos dos geoglifos”.
Datações obtidas por C14 (Carbono quatorze) indicam que os povos originários do sul do Amazonas iniciaram a construção dos geoglifos ao menos mil anos antes de Cristo. Ranzi afirma que a construção de geoglifos cessou entre os anos 800 e 900 da era atual. “Portanto, foi uma civilização que durou aproximadamente 2 mil anos”, diz.
Com a imensidão da floresta amazônica, logo vem a indagação sobre o tipo de vegetação que havia há mais de 2 mil anos. Ranzi afirma que as florestas de terra firme como às do sul do Amazonas foram intensamente utilizadas pelos seus antigos habitantes. E, com o fim da construção dos geoglifos, a floresta se regenerou e os geoglifos, por séculos, ficaram escondidos sob a copa das árvores.
Ele alerta para as ameaças e impactos que esses sítios arqueológicos magníficos podem sofrer sem políticas de proteção patrimonial e pressão do desmatamento, como acontece no sul do Amazonas.
“Esta área está sob pressão do avanço das frentes pioneiras do agronegócio visando estabelecer novas fazendas de criação de gado, e para plantio de soja e milho, commodities com forte demanda no mercado internacional. Os geoglifos conhecidos estão em terras particulares. Assim, é necessário e urgente um grande trabalho de esclarecimento e conscientização sobre a importância dos geoglifos como patrimônio do Estado do Amazonas e do Brasil”, ressalta.
Sem essas medidas, diz o pesquisador, muitos geoglifos correm o risco de desaparecer mesmo antes de serem conhecidos, registrados e estudados. Curiosamente, conforme destacou Alceu Ranzi, foi justamente o desmatamento que levou à “descoberta” [aspas dele] dos geoglifos. “Foi como tirar o véu que recobria a paisagem remanescente deixada pelos povos originários.”
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Amazônia Real e são de total responsabilidade do autor.
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