Antônia Assunção da Silva se revoltou com a decisão do Conselho Permanente da Justiça Militar, que inocentou policiais acusados da morte da militar em um barco flutuante, dez anos atrás; a Defesa vai recorrer e pedir a federalização do caso. Na foto abaixo, amigos e familiares pedem justiça por Deusiane Pinheiro em frente ao Fórum Ministro Henoch Reis, em Manaus (Foto: Raphael Alves/TJAM/2025).
Manaus (AM) – “Os assassinos foram absolvidos”, revoltou-se Antônia Assunção da Silva, mãe da policial militar Deusiane da Silva Pinheiro, tão logo soube da sentença proferida na segunda-feira (29). O Conselho Permanente de Justiça Militar do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) absolveu os cinco militares acusados do crime de homicídio. Em 1° de abril de 2015, a jovem de 26 anos foi assassinada com um tiro na cabeça nas dependências do local onde trabalhava, a Companhia Fluvial do Batalhão Ambiental, no bairro Tarumã, zona oeste de Manaus.
“Me sinto indignada com tudo isso que aconteceu. Eu não sei onde é que tem esses direitos, os que falam tanto de direito de mulheres, direitos que são violados todos os dias”, prosseguiu, em entrevista à Amazônia Real. “A Deusiane foi torturada e assassinada dentro do Batalhão Ambiental. E hoje os assassinos dela foram absolvidos. Isso é vergonhoso. Para mim a Justiça Militar é uma palhaçada. Só favorece a eles mesmos.”
Dez anos depois, o julgamento foi realizado no auditório da Vara da Auditoria Militar Criminal de Manaus, no Fórum de Justiça Ministro Henoch Reis, na zona sul. A sessão foi presidida pelo juiz Alcides Carvalho Vieira Filho e contou com a participação de quatro oficiais da Polícia Militar do Amazonas, que compõem o Conselho Permanente de Justiça Militar. Segundo informações do TJAM, o réu Elson Santos de Brito foi absolvido por maioria de três votos a dois do crime de homicídio. Votaram pela condenação apenas o juiz Alcides Carvalho e a major PM Clésia de Oliveira.
O Conselho Permanente de Justiça é um órgão do Tribunal de Justiça que processa e julga as Praças (soldados, cabos, sargentos, subtenentes e aspirantes a Oficial) da Polícia Militar nos crimes militares definidos em lei.
O sargento Elson dos Santos Brito, que tinha um relacionamento amoroso com Deusiane, era o principal acusado do crime. O Ministério Público do Amazonas (MPAM) denunciou o cabo da PM por homicídio qualificado. Os cabos Jairo Gomes, Cosme Sousa, Narcízio Neto e o soldado Júlio Gama foram denunciados por falso testemunho.
À época, Elson dos Santos Brito disse em depoimento na Delegacia de Homicídios que a PM havia se suicidado e os colegas militares confirmaram a sua versão. O réu chegou a ser investigado por crime de feminicídio, mas durante a apuração o caso ficou tipificado como homicídio qualificado entre militares.
Cosme Moura Sousa, Jairo Oliveira Gomes, Júlio Henrique da Silva Gama e Narcizio Guimarães Neto, que confirmaram a versão do sargento Elson, foram absolvidos por unanimidade do crime de falso testemunho.
Em entrevista à reportagem da Amazônia Real em 2022, Antônia já havia contado que sua filha tinha um relacionamento com o sargento, mas que decidiu romper quando descobriu que ele estava envolvido em casos de corrupção dentro do Batalhão. Segundo a mãe, a atitude teria motivado o crime.
“Deusiane faleceu por causa de uma corrupção, porque ela não compartilhava disso. Ela não compactuava com a corrupção que ela descobriu que tinha dentro Ambiental, por isso ela foi executada, torturada e assassinada”, reforçou.A mãe de Deusiane relatou também que convive com constantes ameaças de morte e teme por sua vida. Desde assassinato de sua filha, viaturas da polícia vigiam a frente de sua casa.
No início de setembro, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um Procedimento Administrativo para acompanhar o processo da ação penal militar sobre o assassinato de Deusiane. O procedimento foi instaurado pelo procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino, e determinou que o acompanhamento avaliasse “sob a ótica da defesa de direitos fundamentais as providências adotadas para assegurar a adequada persecução penal e a observância do direito fundamental à duração razoável do processo”, especialmente em casos de violência de gênero.
A medida se baseou em uma representação da União Brasileira de Mulheres (UBM) que defende violação de direitos humanos pela demora do julgamento do caso de Deusiane e “o teor dos relatos da mãe da vítima, que afirma viver sob constante temor, insegurança e sofrimento ao longo dos anos, especialmente diante da ausência de um desfecho para o caso”.
A portaria determinou que o Juízo da Auditoria Militar do Amazonas apresentasse informações detalhadas sobre o estágio atual do processo, as razões da demora e as providências adotadas para garantir sua conclusão.
A Amazônia Real procurou a assessoria de imprensa do MPF para atualizar as informações sobre as medidas do órgão, após a absolvição dos cinco militares pelo Conselho Permanente de Justiça Militar e aguarda resposta. Se for enviada, ela será atualizada nesta reportagem.
Federalização do caso

A defesa dos réus Cosme Moure Sousa, Jairo Oliveira Gomes, Júlio Henrique da Silva Gama e Narcizio Guimarães Neto foi conduzida pelo advogado Mozart Bessa, enquanto o advogado Frederico Gustavo Távora representou Elson Santos de Brito.
Os advogados dos réus fundamentaram sua estratégia afirmando que os laudos periciais não foram conclusivos e que não tinham provas cabais de materialidade. Já o Ministério Público do Amazonas foi representado pelo promotor de Justiça Igor Starling, com atuação da assistente de acusação, Martha Gonzalez.
“Vamos recorrer e pedir a federalização do caso, agora existe prova suficiente da omissão do Estado”, confirmou nesta segunda-feira a advogada Martha Gonzalez.
Gonzalez já havia sinalizado a possibilidade de recorrer ao Tribunal Internacional Penal caso os réus fossem inocentados pelo TJAM. Quando o caso viola os direitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o processo corre em todas instâncias da Justiça, mas não se tem êxito favorável à vítima, é possível abrir uma representação na Corte Internacional das Nações Unidas.
Em abril do ano passado, a mãe de Deusiane foi ouvida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Na ocasião, Antônia pediu que o caso fosse transferido à Justiça Federal, alegando falta de avanço na esfera estadual. Ela também solicitou apoio da comissão para conseguir uma audiência com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
“Estou mal, estou muito angustiada com tudo isso, muito triste. Mas eu sei que Deus está no comando. Eu sei que um dia a justiça vai chegar. Eu não sei em qual tempo, mas no tempo de Deus a justiça vai acontecer”, declarou Antônia.

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