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ToggleNo último dia 20 de agosto, Ivan Terralimpa Amaral lotou os salões do Centro Excursionista Brasileiro para o lançamento de seu livro “Sempre em Frente“, em que conta com humor e fluidez sua relação com a Trilha Transcarioca e a história de seu nascimento e gestão.
Ivan é um dinossauro do Montanhismo carioca, idealizador do Grupo Terralimpa, ex-presidente do Clube Excursionista Light, Coordenador de Sinalização do Movimento Trilha Transcarioca e um dos fundadores da Rede Brasileira de Trilhas. Bagagem e tempo de pé na trilha não lhe faltam.
Tive o privilégio de caminhar lado a lado com ele por alguns milhares de quilômetros nos Andes argentinos e chilenos, na África, na Europa, no Equador e no Peru, no Monte Roraima, em quase todos os Estados brasileiros, mas sobretudo na Trilha Transcarioca. Sinalizamos juntos, manejamos juntos, planejamos juntos, executamos juntos, sonhamos juntos e juntos vimos a Trilha Transcarioca nascer e crescer para virar a referência nacional que hoje é.
Em “Sempre em frente”, Ivan descortina a Trilha Transcarioca sob seu olhar único e arguto, olhar de mãe, afetuoso e encorajador, mas sem falsas ilusões. A narrativa, de agradável leitura, é um pouco a história da batalha pela conservação, sob a ótica do maior grupo de conservacionistas do Brasil. Um grupo que não é nem preservacionista, nem socioambientalista. É o grupo daqueles que queremos a conservação porque não abrimos mão do direito tradicional e sacrossanto de todo humano de poder vivenciar sua raiz animal, brutalmente arrancada de nós nas últimas décadas de urbanização desenfreada. É o grupo que queremos conservar porque PRECISAMOS em nosso âmago conviver diuturnamente com a natureza.
Esse olhar, que Ivan compartilha com os milhares de voluntários da Rede Brasileira de Trilhas, é o que se apresenta em “Sempre em Frente”.
Em entrevista para este colunista em licença, Ivan fala sobre sua relação com a trilha, a importância do movimento excursionista na criação dela e qual o futuro da Rede Brasileira de Trilhas. Confira:
Pedro da Cunha e Menezes: Qual é a sua relação com a Trilha Transcarioca?
Ivan Terralimpa Amaral: Minha aventura como voluntário em trilhas começou logo após a realização da emblemática Eco 92. Me tornei associado do Clube Excursionista Light, tendo sido, posteriormente, eleito seu presidente. Após minha saída do Clube, com um grupo de amigos, fundamos o Grupo Terralimpa de Preservação e Educação Ambiental, com o qual realizávamos mutirões de limpeza em trabalhos voluntários de sinalização das trilhas cariocas. Ou seja, sou voluntário com muito orgulho e dedicação, há mais de três décadas.
Nesse sentido, “se a Transcarioca fosse um time de futebol, eu revezaria certamente com meus companheiros as 11 posições na equipe e, nas horas vagas, ainda seria o técnico”.
Na verdade, mesmo sendo taxado de insano por muitos montanhistas na época, sempre acreditei que colheríamos os frutos dessa devoção às trilhas. O resultado veio. Toda a dedicação foi recompensada. Hoje vejo cada vez mais pessoas se voluntariando pelas trilhas do Brasil. Estar em trilha, no meio da floresta, é mais que paixão, é revigorante, é uma necessidade.
Que conselho você daria para um caminhante de fora do Rio de Janeiro que deseja conhecer a Trilha Transcarioca?

A trilha é extensa, são basicamente 180 km conectando praias selvagens, cachoeiras, lagos, grutas, picos, monumentos históricos, mirantes e demais atrativos turísticos capazes de encantar qualquer caminhante. No Parque Estadual da Pedra Branca, na Zona Oeste do Rio, sugiro uma caminhada longa ao Pico da Pedra Branca (1025 alt.), que é a montanha mais alta da cidade. Também aconselho visitar a imponente Pedra do Osso no trecho 08, com sua formação exótica que desafia a gravidade. O Parque Nacional da Tijuca, junto aos bairros da Zona Sul, oferece inúmeras cachoeiras, mirantes e o imperdível Cristo Redentor, que estampa o símbolo da Trilha Transcarioca vestindo sua mochila de caminhada. Embora a trilha esteja sinalizada em ambos os sentidos e ser praticamente autoguiada, recomendamos a companhia de um guia experiente para garantir que o visitante não perca nenhum detalhe da experiência de caminhar pela primeira trilha de longo curso do Brasil.
A Trilha Transcarioca é a semente que fez germinar a Rede Brasileira de Trilhas. Como você vê esse processo? Onde você vê a Rede Brasileira de Trilhas em 10 anos?
Não temos dúvidas sobre a importância da Transcarioca para o nascimento da Rede Brasileira de Trilhas. Vejo isso como uma grande responsabilidade e orgulho. Esse “peso” nos ajuda a nos manter inquietos, querendo sempre buscar alguma inovação. Somos uma espécie de referência para as outras iniciativas que ocorrem pelo Brasil. Gostamos desse desafio.
A sinalização de trilhas de maneira organizada e padronizada é uma novidade para todos nós. Ainda temos muito que aprender, errar, acertar e evoluir, é um processo que leva tempo e a cada dia aprendemos um pouco mais. O Brasil é um país de proporções continentais, muitas culturas e diferentes aspectos históricos e geográficos. Ainda temos muito a aprender, nos adaptar e melhorar. Gosto da mudança constante, é desafiador, enriquece. Acredito que, em uma década, estaremos mais organizados e descentralizados. Teremos mais iniciativas e gestores engajados na visitação pública nos parques como instrumento de educação ambiental, conservação e geração de emprego e renda. Estaremos diferentes. Estaremos melhores.
Aumentou a visitação depois que a TT foi implementada? E a preservação? Como ficou? Você diria que a TT e a Rede Brasileira de Trilhas têm um papel importante na conservação do Brasil? Elas são transformadoras? Formam novos defensores do Meio Ambiente?
Apesar de não haver muitas estatísticas oficiais que possam mensurar com exatidão a quantidade de visitação nessas trilhas, temos relatos dos monitores ambientais e das centenas de excursionistas que afirmam que o número de visitantes em trilhas aumentou após a criação da Trilha Transcarioca e conseguimos isso sem aumentar a quilometragem de trilhas existentes, mas somente sinalizando e manejando o que já existia, antes da Transcarioca, tínhamos praticamente a mesma malha de trilhas que temos hoje. Nosso objetivo sempre foi conectar as trilhas através de uma sinalização padronizada e intuitiva para transformá-las em equipamento turístico de qualidade, apto a receber mais visitantes com segurança.
Com uma trilha bem cuidada e sinalizada, surgiram novos projetos de remoção de espécies exóticas, reflorestamento, reintrodução de fauna, pesquisas e demais ações de educação ambiental, estimulando o interesse da sociedade civil pela preservação do meio ambiente. Não há a menor dúvida de que a Transcarioca e a Rede Brasileira de Trilhas desempenham hoje um importante papel na conservação do meio ambiente através de seus voluntários e agentes públicos, que vão progressivamente, trabalhando pelo aumento e melhora da qualidade da visitação pública em Unidades de Conservação.

Qual a maior alegria que você já passou na TT? E o maior perrengue?
Posso dizer que foram muitas alegrias, mas vou destacar três que foram realmente emblemáticas: A primeira foi quando minha filha de dez anos guiou com sucesso um pequeno grupo de excursionistas, se orientando totalmente pelas pegadinhas da TT por um trajeto de 4 km contendo várias bifurcações. A segunda foi a realização do Primeiro Congresso Brasileiro de Trilhas em Goiânia em 2022, onde conseguimos reunir uma grande quantidade de trilheiros do Brasil, em um evento com uma magnitude e profundidade impressionantes, algo que muito me emocionou. A terceira está sendo o sucesso do lançamento do livro “Sempre em Frente”, em que consegui produzir um maravilhoso texto contendo todas as aventuras, emoções, aprendizados e “roubadas” vividas por mim e outros voluntários ao longo de 10 anos atravessando as montanhas da Transcarioca.
O que a Trilha Transcarioca faz pela conservação ambiental?
Quando uma trilha se torna referência em projetos de reflorestamento, bom manejo, pesquisas de flora e fauna, dedicação voluntária e boa sinalização (evitando que o visitante se perca), ela automaticamente estimula as pessoas a virem percorrê-la, caminhar pelos seus trechos e consequentemente “estarem no mato”. Acredito que a melhor maneira de alertar e conscientizar a população para a importância de conservar nosso patrimônio ambiental é estimular a visitação pública em áreas protegidas de forma ordenada. Despertar o público para a importância de comungar com a natureza é sem dúvida uma fórmula “mágica” de conservação. Costumo dizer que caminhar em trilhas é muito mais que uma prática física, é uma prática espiritual e transformadora.
Qual é a relação da Trilha Transcarioca com o INEA, ICMBio e SMAC?
Eu diria que está sendo até hoje uma relação de respeito, aprendizado e parceria. Sem os órgãos gestores de unidades de conservação, não teríamos chegado até aqui e eles, sem nós (voluntários), não teriam nem “tirado o carro da garagem”. Hoje temos vários projetos em conjunto sendo executados, como, por exemplo, a nova sinalização das trilhas do Parque Nacional da Tijuca e projetos de reflorestamento no Parque Estadual da Pedra Branca. Temos também grande apoio do Mosaico Carioca de Áreas Protegidas, que é uma entidade que atua na implantação de políticas e para viabilização de ações conjuntas entre as áreas protegidas do nosso município do Rio, abrangendo as três esferas de governo. Graças ao Mosaico recebemos emendas parlamentares que nos garantiram placas e ferramentas.

Você lançou seu livro no Centro Excursionista Brasileiro e foi presidente do Light. Como é a relação da Trilha Transcarioca com o Movimento Montanhista?
A inauguração da Trilha Transcarioca, em 2017, teve muito apoio dos clubes excursionistas, que atuaram voluntariamente no manejo e sinalização da trilha. Graças ao Centro Excursionista Guanabara, com seu trabalho de reflorestamento no Parque Estadual da Pedra Branca e do Centro Excursionista Brasileiro, com seu trabalho na Floresta da Tijuca e no Parque Natural Municipal Paisagem Carioca, conquistamos o prêmio Mosquetão de Ouro, da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada, que reconhece as “melhores iniciativas no montanhismo e ação local”. Mas, o mais importante da relação entre estas instituições foi sempre o espírito de companheirismo e de trabalho voluntário, visando sempre manter a trilha bem sinalizada para os usuários não se perderem.
Minha relação sempre foi maravilhosa com os clubes, é a minha base, onde aprendi tudo sobre excursionismo, amizade e respeito à natureza. Lançar meu livro, “Sempre em Frente” no Centro Excursionista Brasileiro, foi um gesto de gratidão e reconhecimento ao “templo” do excursionismo brasileiro, é a realização de um sonho entre amigos.
Você está doando os rendimentos do livro para a confecção de placas para a TT. Vocês não têm patrocinador nem nenhuma empresa privada ou vaquinha que contribua com os insumos para a manutenção da TT? É tudo do bolso dos voluntários?
Há anos sou apaixonado por sinalização de trilhas, já realizando esse trabalho voluntariamente há mais de duas décadas. Tirar dinheiro do bolso para confeccionar placas, tabuletas e demais itens de sinalização sempre foi meu hobby, minha “cachaça”. Agora, com o lançamento do livro e seu sucesso de crítica e vendas, tenho reinvestido todo o valor arrecadado na compra de insumos para a produção das placas que estou produzindo para as trilhas da Floresta da Tijuca e para o Parque Estadual da Pedra Branca. Apesar de estar reinvestindo o valor, ainda é pouco. Precisamos vender mais algumas centenas de exemplares para continuarmos confeccionando a sinalização.
Muitos nos perguntam sobre o apoio de empresas privadas. Infelizmente, está cada vez mais difícil conseguir patrocínios de empresas para custear ações de manejo na trilha. Esporadicamente recebemos algum apoio, como a doação de setas metálicas pelo Ministério do Meio Ambiente. Algumas emendas parlamentares, obtidas por intermédio do Mosaico Carioca, também custearam importantes placas de sinalização em cada trecho da Transcarioca.
O apoio dos monitores de trilhas do Parque Nacional da Tijuca tem nos ajudado muito na manutenção das trilhas. Sem eles, não teríamos conseguido atingir um grau tão elevado de excelência no manejo das trilhas. Mas nem tudo são flores. Ainda precisamos realizar muito manejo nas trilhas, especialmente no Parque Estadual da Pedra Branca, que carece de mais atenção. Tenho esperança de que em breve alcançaremos excelência nele também.
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