Artista amazonense estreia neste sábado (09) na exposição coletiva “Águas Abertas”, em São Paulo. Ela também está no circuito nacional e no exterior com o curta “Alexandrina – Um Relâmpago”. Na imagem acima, registro da intervenção “Artefato Arqueológico” (Foto: Pamela Martinez).
Manaus (AM) – A artista visual e cineasta amazonense Keila-Sankofa vive um momento de expansão e reconhecimento por sua obra que cruza imagens, territórios e os tempos. Desde Manaus, onde constrói sua pesquisa sobre memória, espiritualidade e corpo, ela hoje ocupa espaços urbanos no Brasil e no exterior com obras que reencantam o mundo com a força das águas e dos encantados.
Uma das ações mais recentes de Keila-Sankofa é a participação na exposição coletiva “Águas Abertas”, em cartaz a partir deste sábado (09) no Parque Linear Bruno Covas, em São Paulo (SP). Na programação, a artista lança a instalação “Confluências dos Olhos D’Água”, que reúne performance, fotografias e o curta-metragem, de 13min21, em diálogo com um grupo de indígenas do povo Pankararu que mora em São Paulo há mais de 80 anos, e com a força simbólica das águas subterrâneas da capital paulista; o povo Pankararu tem seu território originário no Nordeste, mas nas últimas décadas houve um expressivo deslocamento para o sudeste, particularmente em São Paulo, onde eles lutam pelo direito à terra.
Em “Confluência”, Keila-Sankofa invoca imagens simbólicas como a cabaça, que atua como continente, tambor, útero e morada de sementes, articulando uma poética do reencantamento e da reconexão com a terra.
“O rio é olho d’água vivo, nascente que ainda pulsa, mesmo quando tentam soterrá-lo. Eu quis convocar essa força ancestral que corre sob nossos pés, mesmo quando esquecida pela cidade”, afirma Keila-Sankofa em entrevista à Amazônia Real.
Com curadoria de Gabriela de Matos e Raphael Bento, a mostra convidou artistas de diferentes cidades do Brasil, como Manaus, Belo Horizonte, Santos e periferias de São Paulo, a refletirem sobre os rios urbanos como territórios vivos. A seleção valoriza a presença de mulheres artistas e suas narrativas indígenas, negras e decoloniais.
Além de Keila-Sankofa, participam da mostra Cinthia Marcelle + coletivo vão, com a obra “Barricada”, feita de blocos cerâmicos e voltada à reflexão sobre barreiras sociais; o Coletivo Coletores, com “Anamnesis – PI-IÊRÊ”, instalação que denuncia apagamentos históricos do Rio Pinheiros; Day Rodrigues, com “Tríplice Ancestralidade”, que aborda o sagrado feminino e a memória ancestral; Lenora de Barros, com Resetar, escultura sonora que convida à renovação do olhar sobre o rio; e Lúcio Ventania, com SOS, instalação em bambu que alerta sobre a urgência de preservar as águas doces.
Rituais de cura urbana

“Confluência dos Olhos D´Água” só foi possível graças ao envolvimento de lideranças e jovens do povo Pankararu que vivem nas comunidades do Real Parque e da Favela do Panorama, ambas na zona sul de São Paulo, territórios resistentes à margem do rio Pinheiros.
“O projeto tem como produtor e pesquisador Caynã Pankararu, que me conectou à presidente da Associação SOS Pankararu, a jovem líder Clarice Pankararu, que tem um trabalho brilhante na comunidade e foi essencial para que o encontro entre os Praiá e o Cabeça de Cabaças ocorresse”, conta a artista amazonense.
Caynã Pankararu atua como historiador, produtor cultural e articulador comunitário. Clarice, além de liderança política, participa de iniciativas de arte-educação e preservação da língua e espiritualidade do povo Pankararu.
Muitos membros da comunidade viajam regularmente ao Nordeste para manter seus vínculos espirituais e realizar rituais sagrados.

“É uma relação de profunda escuta. Eu não vim impor uma estética, mas abrir espaço para que as águas falassem por nós. ‘Confluência’ é também sobre isso: permitir que as cidades escutem o que está debaixo do concreto”, diz Keila.
Neste dia 9, das 12h às 17h, a performance de abertura da obra inclui cantos tradicionais, danças e orações, com destaque para a cabaça e cuia como símbolo central. O objeto aparece como elo entre os mundos afrodiaspórico e indígena, convocando a memória de rituais, curas e oferendas.
Encantamentos visuais e cinema afroamazônico

Além da obra em São Paulo, Keila-Sankofa também está em circulação com outros projetos audiovisuais.
O curta “Alexandrina – Um Relâmpago” (12min, 2022), premiado no Brasil, foi recentemente exibido nos dias 28 e 29 de julho no Solar Festival, em Zurique (Suíça). Com linguagem híbrida, o filme se configura como manifesto visual contra os apagamentos históricos da população negra na Amazônia. Antes disso, no dia 12 de julho, foi exibido gratuitamente ao público em Manaus, por meio do Projeto Tela Preta, da Casa Barravento.
“Alexandrina é uma personagem que rompe o silêncio com relâmpago. Ela encarna aquilo que poderia ter sido, caso a violência colonial não tivesse nos atravessado”, diz Keila.
A obra recebeu prêmios como o Leda Maria Martins de Ancestralidade, Festival Olhar do Norte (com Melhor Direção e Direção de Arte) e Diário Contemporâneo de Fotografia (Prêmio de Aquisição). Além desses, o filme também foi premiado com Melhor Edição de Som no Cine PE (Pernambuco).
No próximo dia 13 de agosto, Keila lança em Manaus mais um trabalho: o filme musical “Herança”, com roteiro, direção e direção de arte assinados por ela.
Ainda que não seja uma continuação direta, o curta dialoga com “Alexandrina” ao retomar simbolicamente sua personagem em uma das cenas e reafirmar os atravessamentos entre memória, corpo e território.
Com trilha original e participações de Rafa Militão, Márcia Siqueira, Uýra Sodoma e Francine Marie, o filme celebra a ancestralidade afroamazônica por meio de encantarias visuais, sons de cabaças e cuias, e referências a Iansã, orixá dos ventos.
“É um trabalho sobre continuidade. Sobre aquilo que recebemos e também o que decidimos deixar como legado”, afirma Keila.
A trilha, os rituais e os objetos de cena compõem a estética afroamazônica do filme musical, uma marca presente nas obras de Keila.
Retornos à Amazônia e novos rumos

Apesar da circulação nacional e internacional, Keila mantém suas raízes firmes em Manaus.“Eu vivo e existo na Amazônia como resistência. Minhas obras estão aqui e em todos os outros territórios. Eu narro para os meus, mas faço isso de forma estratégica e ampla, sem me limitar à ideia de regional. Sendo nós uma população majoritariamente negra e indígena, somos um povo da circularidade, como diz Antônio Bispo”, pontua.
Já no início deste ano, seu trabalho foi exibido no “Arquivo em Cartaz” que ocorreu em Manaus, e também está disponível na plataforma Itaú Cultural Play.
No dia 25 de agosto, Keila-Sankofa lançará nas ruas de Manaus a intervenção “Artefato Arqueológico do Agora”, uma obra que propõe “escavar o presente com ferramentas de memória ancestral”.
Em setembro, ela viaja ao Pará para dirigir um novo filme junto com a equipe do Cine Diáspora, festival e plataforma de formação audiovisual voltada para cineastas negros e povos originários, com ênfase no cinema preto da região amazônica.
Todos esses trabalhos têm o apoio e produção da Abayomi Filmes, realizadora audiovisual amazonense de narrativas negras e indígenas com base na Amazônia.
Keila-Sankofa é artista visual, cineasta, roteirista e pesquisadora. Ela atua há mais de 20 anos na criação de imagens, sons e performances que articulam espiritualidade, afeto, corpo e memória.
Indicada três vezes ao Prêmio PIPA, sua obra já passou por instituições como o Itaú Cultural, o International Film Festival Rotterdam, o Centro Cultural São Paulo, o Arte Pará e o festival MUTEK.
Exposição Águas Abertas
Abertura: 9 de agosto de 2025, das 12h às 17h (hora de Brasília)
Em cartaz: até 9 de novembro de 2025
Local: Parque Linear Bruno Covas (Avenida Magalhães de Castro, R. Pedro Avancine – Jardim Panorama, São Paulo – SP); Margem oeste do Rio Pinheiros, entre Ponte Cidade Jardim e Ponte João Dias. Principal acesso pela Usina São Paulo
Segunda a domingo, das 10h às 17h – Grátis

Esta matéria foi escrita com exclusividade para a Amazônia Real.
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