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ToggleComentaristas e sites da maior rede de mídia do país difundiram abaixo-assinados pela devolução de um felino selvagem à uma “influenciadora” e reacenderam a polêmica sobre pessoas mantendo e expondo animais selvagens, como se fossem domésticos.
Em abril, uma jaguatirica foi apreendida pelo Ibama em Uruará, no interior do Pará. Segundo o órgão, ela estava mal alimentada, tinha bicho-de-pé, ferimentos e não tinha os dentes caninos esquerdos. A fiscalização diz que uma influenciadora tentava lucrar explorando a imagem do animal nas redes sociais.
“A situação odontológica do animal revela que ele teve privação nutricional nos primeiros meses de vida, o que poderá repercutir negativamente no momento em que for avaliada a possibilidade de retorno à natureza”, detalha o Ibama.
Na época, as multas aplicadas à infratora somaram R$ 10 mil, por aprisionar e explorar o animal silvestre. Ela também deveria retirar todas as imagens e vídeos do espécime das redes – o que ainda não fez, conferiu ((o))eco –, com pena de novas multas em caso de descumprimento.
A jaguatirica é reabilitada num Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), no DF. Se tudo correr bem, ela pode voltar à natureza. No entanto, canais da maior empresa de mídia do país, o Grupo Globo, comentaram abaixo-assinados para que o animal volte à quem o mantinha ilegalmente.
O rebuliço gerou reações do chefe do Centro, Júlio Montanha, que esclareceu que a jaguatirica não foi resgatada. “O animal foi caçado”, afirmou. Ele lembrou de um vídeo onde a própria influenciadora admite que seu cachorro encurralou a mãe da jaguatirica e levou o filhote até seu marido.
Coordenador de Biodiversidade do Instituto Ampara Animal, Filipe Carneiro analisa que termos como “resgatado” e “adotado” para animais silvestres capturados ou mantidos ilegalmente sugerem uma situação legalizada e transmitem a impressão equivocada de que eles estão bem cuidados.
“No entanto, muitos desses filhotes são caçados ou retirados da natureza após a morte das mães e acabam sob os cuidados de pessoas sem preparo técnico ou autorização legal”, ressalta.
Diante disso, Montanha (Ibama) destaca que a família deveria ter seguido a legislação e procurado imediatamente uma autoridade ambiental ou policial para que a jaguatirica fosse atendida corretamente. “Infelizmente isso não foi feito”, ressaltou. O resultado foi um animal adoentado exposto em mídias eletrônicas.

Descaminhos digitais
Apesar do episódio danoso à saúde e bem estar do animal, a influenciadora tenta reavê-lo na Justiça e os abaixo-assinados para que ele volte ao cativeiro paraense já somam mais de um milhão de nomes.
Diante disso, Carneiro (Ampara Animal) destaca que muitas campanhas digitais – veiculadas livremente por plataformas buscando audiência – são movidas mais pela emoção do que por razão, ciência ou legislação e influenciam indevidamente debates sobre o destino de animais silvestres.
“Essas mobilizações não devem pautar decisões judiciais ou ambientais. Órgãos competentes devem seguir a lei e diretrizes de conservação da biodiversidade, mesmo diante de pressões públicas baseadas em vídeos e likes que distorcem a realidade”, ressaltou.
O equilíbrio de florestas, rios e campos depende diretamente da fauna nativa, destaca Marcelo Oliveira, especialista do WWF-Brasil. No entanto, ele alerta que, fora desses habitats, essa mesma fauna pode representar riscos sanitários. “Há o potencial de transmissão de doenças entre animais e seres humanos”, lembra.
Sinais dessa realidade já são registrados. Antes restrita à Amazônia, a febre oropouche foi registrada no Espírito Santo e no Rio de Janeiro. A expansão do vírus é ligada ao desmate e à crise climática. Ele é transmitido sobretudo pelo mosquito maruim e provoca febre e dores intensas, similares aos da dengue e chikungunya.
Ainda conforme Oliveira, os influenciadores que promovem a posse ilegal de animais silvestres podem estimular crimes como caça e tráfico. “As redes sociais são nichos globais para esses delitos”, constata. “Mas a legislação segue atrasada e sem mecanismos eficazes de controle nacional e internacional”, denuncia.
De acordo com a campanha “Se não é livre, eu não curto”, do WWF-Brasil e Ibama, só entre 2015 e 2021 foram confiscados 13 milhões de animais e plantas, de quatro mil espécies, em 162 países e territórios mundiais. Além disso, mais de 30 mil animais foram soltos em 2023 após passar por centros federais de reabilitação.

Legislação relativizada
Desde 1967, a legislação federal define que os animais silvestres pertencem ao poder público e só podem ser mantidos sob aval dos órgãos ambientais. Descumprir essa norma prevê de multas à detenção, mas as punições ainda são brandas e insuficientes para coibir realmente os crimes contra a fauna.
“Já vi criminosos sendo liberados pela polícia antes de quem fez a autuação”, relata Marcelo Oliveira (WWF-Brasil).
Contudo, a aplicação da lei também pode ser direcionada pelos debates públicos nas redes sociais, muitas vezes contaminados por polarizações políticas e desinformação, que acabam travando o avanço de políticas ambientais mais consistentes. Casos recentes evidenciam esses descaminhos.
Em 2023, a apreensão pelo Ibama de uma capivara mantida em Autazes (AM) gerou R$ 17 mil em multas. A comoção pública foi apoiada por uma deputada e a Justiça Federal concedeu a guarda provisória da capivara ao influenciador que a mantinha.
Outra ação teve como palco o sítio de Nicole Bahls, em Itaboraí (RJ), onde a Polícia Federal e o Ibama apreenderam 2 macacos-prego, com documentos de origem falsificados. Como divulgou ((o))eco, o caso disparou uma operação contra o tráfico de animais silvestres, em março do ano passado.
As investigações apontaram que ao menos 120 macacos-prego – incluindo o ameaçado macaco-prego-de-crista – foram traficados pela quadrilha, além de centenas de outros animais nativos, como araras e papagaios, cervos e iguanas, que eram inclusive vítimas de maus-tratos.
Por essas e muitas outras que até a compra legal de animais silvestres, de criadores autorizados, é criticada pela Ampara Animal. Para a entidade civil, isso também estimula o consumo, maus-tratos, usos e abusos em redes sociais.
Filipe Carneiro, coordenador de Biodiversidade da ong, explica que animais silvestres não são adaptados para conviver com pessoas, pois têm comportamentos e necessidades que só podem ser atendidas na natureza ou centros especializados. “Há milhões de cães e gatos para serem adotados no Brasil”, lembra.
Diante disso tudo, é preciso conter o avanço da posse ilegal de animais silvestres atualizando a legislação brasileira, responsabilizando e controlando as redes e os influenciadores. Caso contrário, a conservação da fauna silvestre seguirá refém da desinformação e de apelos emocionais.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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