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ToggleNovos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançam luz sobre um fenômeno complexo na Amazônia: o aparente “esvaziamento” da população indígena de áreas rurais, incluindo seus próprios territórios. Na imagem acima, porto na cidade de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/ Amazônia Real).
Mais da metade (53,97%) da população indígena já reside em áreas urbanas e exatamente a metade dela tem no máximo 25 anos. É o que indica uma nova leva de dados do Censo 2022 revelados nesta quinta-feira (19) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2010, ano do estudo demográfico anterior, 63,78% dos povos originários moravam nas zonas rurais, onde fica a maioria dos territórios indígenas (TIs). Essa inversão ocorreu para a população brasileira nos anos 1970, mas só agora se repete entre esses povos. Longe de representar um processo de urbanização convencional, esse fenômeno revela estratégias de sobrevivência – grande parte dessas pessoas ainda está em fase de formação educacional e profissional – e a busca por melhores condições para vidas marcadas por históricas vulnerabilidades.
Os números mostram uma diminuição da população indígena residente em áreas rurais e TIs. De 2010 a 2022, houve um aumento de 589.912 indígenas vivendo em cidades. Eles já representam 914.746 em situação urbana. No campo, foram contabilizados pelo IBGE 780.090 indígenas (46,03%). Essa realidade é muito distinta da população residente no País (todos os brasileiros), onde 87,4% vivem em áreas urbanas e apenas 12,6% em contexto rural. Mas essa dinâmica migratória nacional não se traduz em uma integração ao tecido urbano.
Nos Estados amazônicos, os indígenas que se deslocam para as cidades frequentemente enfrentam precariedades ainda maiores do que aquelas vivenciadas em seus territórios de origem. Muitos deles se se sentem pertencentes a um não-lugar. Para órgãos públicos, são considerados não-aldeados. A região Norte concentra a maior parte da população indígena do Brasil, com 753.780 pessoas, sendo que 316.827 vivem em TIs e 436.953 fora delas. Elas também se dividem exatamente pela metade entre viver em áreas urbanas (376.875) ou rurais (376.905).
O Amazonas, em particular, abriga a maior população indígena dentro de TIs, com 149.080 pessoas, mais do que as 129.882 somadas de todos os Estados do Nordeste. Também possui o maior contingente populacional (490.935) independente da localização do domicílio. Dos 62 municípios amazonenses, 59 deles registraram perda percentual de população rura entre os Censos 2010 e 2022l. Em Roraima, essa diminuição se reproduziu em 11 de suas 15 cidades, enquanto no Acre foram em 15 dos 22 municípios. Só esses dados reforçam a necessidade de se olhar para as dinâmicas demográficas e sociais que ocorrem na região amazônica.
Precariedade na Amazônia
O Censo 2022 mostra que é alarmante a proporção de domicílios com pelo menos um morador indígena que enfrenta alguma forma de precariedade em relação ao abastecimento de água, à destinação de esgoto ou à coleta de lixo em áreas urbanas na Amazônia. Nelas, a precariedade no acesso à água entre indígenas é quase cinco vezes maior (13,33%) do que entre a população residente no Brasil (2,72%). Se considerar apenas os indígenas que vivem fora de TIs em áreas urbanas na Amazônia, a precariedade é 3,7 vezes maior (10,08%) do que a população brasileira. Na região amazônica, a dificuldade no acesso à água entre indígenas em áreas rurais é 2,3 vezes maior (68,06%) do que entre os moradores de zonas rurais no Brasil (29,35%).
A proporção de indígenas em áreas urbanas fora de TIs que não contam com destinação do lixo (5,83%) é quatro vezes maior que o da população urbana brasileira (1,43%). Já nas áreas rurais, a quantidade de domicílios com um indígena que não têm coleta de lixo (12,61%) é quase o dobro da proporção da população residente (24,63%). Os indígenas, dentro e fora das TIs, também não contam com saneamento básico em áreas urbanas (40,76%): a precariedade nesse quesito é 2 vezes maior que na comparação com o resto da população (16,95%).
Mas é dentro das TIs que a desigualdade brasileira se expressa de forma drástica. Em 94,17% dos domicílios indígenas, 596.343 pessoas enfrentam pelo menos uma situação de precariedade em abastecimento de água ou destinação de esgoto ou lixo. Esse número é 68,31 pontos percentuais acima da população brasileira. “O provimento de instalações sanitárias pode presumir o esforço de adequação às realidades locais, de modo que as medidas para garantir a melhoria das condições de saúde destas populações precisam minimamente dialogar com os hábitos e práticas de cada povo, grupo ou comunidade”, anota o estudo do IBGE.
Esses números expõem uma dura realidade na Amazônia: a falta de infraestrutura básica, que já aflige as comunidades em seus territórios tradicionais, está se reproduzindo e se intensificando também para os que vivem nos centros urbanos. Não se trata de uma simples migração em busca de oportunidades, mas de uma fuga da precariedade que, em muitos casos, resulta em outras formas de vulnerabilidade. No Amazonas e no Pará, o Censo destaca municípios com grande número de indígenas em áreas urbanas sem acesso à água encanada.
Urbanização, não, resistência
A análise do Censo 2002 para a população indígena não configura um processo de urbanização no sentido tradicional do termo. Trata-se de um complexo movimento de resistência e adaptação, impulsionado pela busca por melhores condições de vida e pela necessidade de acessar serviços básicos que muitas vezes não chegam às comunidades em seus territórios. Eles partem para as cidades em busca de tratamento de saúde, já que nos territórios o sistema é precário ou inexistente. Educação, trabalho e conflitos são os outros principais motivos que conduzem essas pessoas para a migração. Isso deveria forçar os governos a reconhecerem essa dinâmica para que políticas públicas sejam direcionadas para garantir o acesso a direitos básicos, tanto nas áreas rurais quanto urbanas da região, respeitando as diferentes formas de organização social e os modos de vida tradicionais.
Na segunda divulgação do Censo 2022 com dados dos povos indígenas, o IBGE já havia apontado uma discrepância com os não-indígenas em relação aos outros dois critérios. O que se vê agora é que na separação dos povos que vivem dentro e fora das TIs essa distância é ainda maior. A população residente brasileira tem idade mediana de 35 anos. Esse cálculo é feito descobrindo qual é a idade que separa os mais jovens dos mais velhos. Já entre os indígenas é de 18 se viverem dentro das aldeias em áreas rurais e 25 fora. Na Amazônia Legal, é de 17 anos. Nas TIs, portanto, jovens de até 29 anos correspondem a 68,9% da população, um dado que cai para 48,7% fora desses territórios.
Outro dado com destaque negativo na região Norte é a dificuldade de alfabetizar a população indígena, principalmente em zonas rurais e fora de TIs – a Amazônia Real acaba de publicar uma especial sobre a dificuldade dos estudantes durante a última estiagem. A taxa de analfabetismo entre indígenas em áreas rurais na região diminuiu de 32,16% em 2010 para 21,15% em 2022. A diferença em relação à população não indígena na zona rural (2,99 pontos percentuais em 2022) ainda é expressiva. A situação é preocupante para indígenas que residem fora de TIs em áreas rurais, que apresentam as maiores taxas de analfabetismo em todas as faixas etárias.
Já a população masculina indígena é maior que a feminina em vários recortes: são 106,65 homens para cada 100 mulheres em áreas rurais fora de TIs. Mas isso se inverte nas cidades e fora desses territórios. Há 89,37 homens para cada 100 mulheres, uma proporção menor até que a da população do País, que é de 91,97 homens para cada 100 mulheres.
O Censo 2022 apresenta um avanço metodológico importante, com a ampliação da pergunta de autodeclaração para todo o território nacional. Isso contribuiu para um aumento significativo no número de indígenas recenseados, o que demonstra um maior reconhecimento da diversidade étnica do País e da Amazônia. A inclusão de 72 novas TIs para serem recenseadas também representa um avanço importante, mas que ainda demanda adaptações na metodologia de coleta de dados, incluindo a atualização da cartografia censitária e a realização de consultas às comunidades indígenas.
Localidades Indígenas
O Censo 2022 identificou 8.567 localidades indígenas no País presentes em todos os Estados e no Distrito Federal. Na região Norte, são 5.158 (60,2% do total brasileiro). O IBGE utiliza essa classificação para identificar qualquer lugar onde haja um aglomerado permanente de 15 ou mais moradores indígenas. E os recenseadores encontraram esses tipos de aglomerações em aldeias, comunidades e acampamentos indígenas, não deixando de perceber que muitos povos se movem de um local para outro dependendo da época ou de sua própria organização social.
O Amazonas possui a maior quantidade de localidades (2.570), equivalente a 30% de todo o País. Em segundo lugar, vem Mato Grosso, com 924 (10,79%) localidades, seguido do Pará, com 869 (10,14%), do Maranhão, com 750 (8,75%), e de Roraima, com 718 (8,38%), todos Estados pertencentes à Amazônia Legal.
Em 2022, 6.130 das localidades (71,55%) estavam dentro de TIs declaradas, homologadas, regularizadas ou encaminhadas como reservas indígenas quando da passagem do recenseador. Mas 2.437 (28,45%) se encontravam fora dessas áreas. Amazonas (1.077 localidades), Pernambuco (237), Pará, (187), Ceará (159) e Bahia (138) eram os Estados com a maior quantidade de localidades indígenas fora de TIs. São Gabriel da Cachoeira (AM) é o recordista de aglomerações indígenas (505), seguido de Alto Alegre (RR), com 168; Jacareacanga (PA), com 167.
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