Na foto acima, Txai Suruí é acolhida pela Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Foto: Felipe Werneck/MMA).
Porto Velho (RO) – A um ano para acontecer a 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), em Belém (PA), se acende uma discussão importante após a liderança Txai Paiter Suruí, de Rondônia, ter sido detida e intimidada por seguranças das Organizações das Nações Unidas (ONU), no dia 30 de outubro deste ano, durante protesto contra o marco temporal na 16ª Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP 16), que aconteceu em Cali, na Colômbia. A COP 30 em Belém acontecerá em novembro de 2025.
Será que o Brasil está preparado para receber a COP 30? Será que as autoridades estão preparadas para ouvir os povos indígenas? É impossível falar sobre clima e meio ambiente sem ouvir os povos indígenas.
“Estou lutando pelo meu direito, estão matando o meu povo!”, dizia Txai Suruí, de 24 anos, com tinta vermelha nas mãos, como se fosse o sangue derramado pelos indígenas mortos em conflitos pela terra, enquanto era cercada por seguranças colombianos da ONU e tinha suas credenciais retidas e rasgadas.
Em entrevista à agência Amazônia Real, pelo whatsapp durante uma viagem, Txai contou como foi e como se sentiu no episódio. “Senti medo de ser expulsa do local, de perder as credenciais e não poder retornar mais [para a COP16]”.
Em 2021, a jovem indígena Txai Suruí foi a única brasileira a discursar na abertura da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26), em Glasgow, na Escócia. Após sua fala que ecoou no mundo, ela em vez de ser aclamada foi perseguida por bolsonaristas dentro e fora do evento, sobretudo nas redes sociais. No retorno ao Brasil, ela temeu pela própria segurança, como contou em entrevista à Amazônia Real na época.
No dia 30 de outubro, durante a COP 16, Txai Suruí estava em companhia de outras lideranças indígenas. Ela é coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, organização que sua mãe fundou, Ivaneide Bandeira, mais conhecida como Neidinha.
No mesmo momento da COP 16, no Brasil aconteciam simultaneamente diversas manifestações contra o marco temporal nos territórios, nas redes sociais e em Brasília (DF).
“Estava tendo as mobilizações no Brasil, aí a gente decidiu fazer a nossa mobilização aqui também. Mas tínhamos que pedir autorização um dia antes para fazer a mobilização na COP 16. Enviamos o pedido de autorização, mas a liberação não chegou a tempo de iniciarmos”, conta Txai.
Mesmo sem a autorização em mãos para o manifesto, Txai e outros indígenas, que estavam credenciados para participarem do evento no setor de negócios, decidiram prosseguir com o protesto pacífico, utilizaram sangue falso (usado nas mãos, que simbolizava sangue indígena), cartazes e discursos com palavras de ordem como: “Não ao marco temporal!”. “Eu comprei tinta [cor vermelha] de sangue e fomos fazer o nosso protesto”.
O grupo não esperava que sofreria uma abordagem agressiva por parte de seguranças da ONU. “Aí chegou uma guardinha e falou assim: ‘você tem autorização?’. Eu falei: ‘sim’. Aí já começou a juntar um montão de policiais. Eu já tinha feito uma fala. Quando a gente foi saindo, a guardinha me pegou pelo braço. Ela queria nosso nome, entregamos os cartazes, ela estava nos repreendendo para acabar [o protesto]. Ela falou para dar o nosso nome, rasgou nossas credenciais. Aí ela começou a pegar no meu braço com força, começou a doer, eu já comecei a gritar”, relata a jovem.
Policiais impedem ativistas durante a COP16, em Cáli, Colômbia (Foto: Diogo Hungria/Kanindé).
Txai disse que, nesse momento, percebendo que seria levada, começou a chamar a atenção da princesa Maria Esmeralda, membro da família real da Bélgica, e presidente do Fundo Rei Leopoldo III para exploração e conservação da natureza. A princesa participava da COP 16.
“Eu comecei a gritar socorro em inglês: ‘help! Princesa! Help!’. Pedindo ajuda a Maria Esmeralda. Eu falava [para a policial]: ‘você tá machucando, você tá me molestando’. Aí juntou um monte de gente. Eles não queriam soltar a gente. O pessoal gritava: ‘solta!, solta!, solta!”, conta a líder Suruí.
A jovem diz ainda que outras lideranças também sofreram agressões, com chutes e beliscões, enquanto tentavam resgatá-la dos seguranças.
Txai contou que o grupo foi levado para uma sala separada antes da chegada das autoridades brasileiras. “Fomos chegando no pavilhão do Brasil. Senti medo de ser expulsa do local, de perder as credenciais e não poder retornar mais. Chegaram às autoridades da Embaixada do Brasil. A gente não queria ir, pois estávamos com medo”.
A jovem disse ainda que após a chegada da ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, o tom da conversa dos seguranças mudou. “O tom mudou né, começaram a pedir desculpas!”, afirma a jovem.
O marco temporal é um dispositivo que pode invalidar as demarcações de terras na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 48 no Congresso Nacional. A decisão, que favorece a bancada ruralista, é inconstitucional, pois contraria o capítulo 231 da Constituição Federal de 1988, que diz: “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Enquanto isso aqui no Brasil
A mãe de Txai Suruí, a indigenista Ivaneide Bandeira, também conhecida como Neidinha, estava em Porto Velho (RO), quando recebeu a notícia da violência contra sua filha na Colômbia.
“Enquanto mãe, pra mim, foi um pavor! Um verdadeiro terror receber uma ligação que minha filha estava sendo levada presa, porque foi desse jeito que falaram pra mim, por esta reivindicando Seus direitos”, relembra Neidinha.
A indigenista conta ainda que foram necessárias algumas movimentações e ligações para entender o que aconteceu de fato e pedir ajuda para a ministra Marina Silva.
“Eu sou super agradecida à ministra Marina Silva. Quando eu liguei, ela prontamente foi lá e resolveu a situação, junto com a embaixada, itamarati, isso deu pra mim uma segurança no governo brasileiro”, finaliza.
Neidinha faz uma análise do que aconteceu com a jovem liderança do povo Paiter Suruí, e diz que o episódio reflete o que os povos indígenas têm vivido no Brasil.
“Esse episódio da ONU mostra a fragilidade que vivem os povos indígenas em qualquer espaço, porque se o povo jndigena não está num espaço da ONU para falar sobre retrocessos ambientais que afetam os seus direitos, onde os povos indígenas vão estar seguros ”, questiona Neidinha.
Em declaração à imprensa, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, defendeu Txai Suruí. “Todos nós sentimos por qualquer pessoa que tenha vivido o que ela viveu, mas ela é uma pessoa muito relevante para todos nós. Não é só um símbolo, ela é uma pessoa com uma ação concreta, efetiva na luta dos povos indígenas, dos direitos das mulheres, dos direitos humanos”, declarou a ministra sobre Txai.
Segundo a ministra, os seguranças posteriormente reconheceram o erro cometido. “Eles disseram que foi uma ação desproporcional, fizeram um pedido de desculpas, e que o pedido de desculpas não era uma coisa só verbal, que se materializava na devolução das credenciais.”
Abordagem dos seguranças da ONU
O líder indígena e cacique geral do povo Paiter Suruí, Almir Suruí, que é pai de Txai Suruí, disse à Amazônia Real que o que aconteceu com Txai foi falta de preparo.
“Como liderança, eu achei que as Nações Unidas poderiam ter mais preparação para aceitar qualquer tipo de manifestação da sociedade. Que este tipo de evento possa ser realmente um instrumento para construir políticas públicas para a sociedade e para o bem comum”, afirma Almir.
O coordenador executivo da Articulação dos Povos indígenas do Brasil (APIB), Kleber Karipuna, afirma que esse tipo de situação é o que os movimentos sociais menos querem que aconteça, e que nas últimas três COPs (Conferências do clima e da biodiversidade) contando com a COP 16 acontecem Em países com política de silenciando de movimentos sociais.
“O que aconteceu com a parenta Txai Suruí é o que a gente menos quer que ocorra em qualquer COP, em qualquer espaço de debate: esse cerceamento do direito de manifestar e protestar, não só com a Txai, mas qualquer liderança indígena no Brasil ou a nível global”, diz Kleber Karipuna que ainda completa.
“São três COP ‘s, a contar com essa em Baku, capital do Azerbaijão, que são em países que tem uma política de silenciamento de protestos e manifestações muito rígidas, tanto do seu próprio povo. Sentimos isso na pele tanto na COP do Egito, nos Emirados Árabes e com certeza agora no Azerbaijão”.
A expectativa é que na COP 30 que vai acontecer aqui no Brasil em Belém (PA), haja mais espaço e liberdade para as manifestações dos movimentos sociais.
“É uma COP que trás novamente uma esperança em um evento mais social, em um país que tem em sua legislação o direito de liberdade de expressão, apesar de também ser um país que um dos maiores índices de violência contra os desenvolvedores dos direitos humanos, mas que em sua legislação garante o direito da Liberdade de expressão e os movimentos sociais têm uma atuação mais autônoma e permitida.”
COP 30: visão dos indígenas e ativistas.
Para a realização da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30) em Belém, as lideranças indígenas esperam que haja preparação e espaço para que temas como clima, meio ambiente, demarcações dos territórios, entre outros assuntos também sejam discutidos com povos originários.
O evento será sediado no bioma amazônico, que tem uma população de 270 povos ou mais de 900 mil pessoas, além de povos isolados, de acordo com o Censo do IBGE de 2022. Essa região compreende a chamada Amazônia Legal, composta pelos estados Amazonas, Acre, Amapá, Mato Grosso e parte do Maranhão, Rondônia, Roraima, Tocantins e Pará.
O território amazônico tem 5 milhões de quilômetros quadrados e concentra cerca de 98% da extensão das 573 de terra indígenas, segundo dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
No Brasil, a população recenseada foi de 1.694.836 indígenas (0,83% do total brasileiro) em 4.833 municípios e 1.330.186 quilombolas (0,66%) em 24 Estados e no Distrito Federal.
Neidinha demonstra preocupação em relação à segurança dos indígenas que irão participar do evento. “Precisamos questionar a ONU que garanta que os povos indígenas, comunidades tradicionais e outras populações se sintam seguras nas COP ‘se nos espaços da ONU, até porque nós vamos ter a COP30 no Brasil e como vai ser ?”, questiona a ativista.
Para Almir Suruí a transparência é um fator essencial para a população indígena durante toda a Conferência. O líder indígena ainda lamenta a pouca inclusão de indígenas em discussões importantíssimas.
“Nós que somos detentores dessa luta pelo clima, pela floresta, pelos direitos humanos. Ainda estamos fora dessas discussões. É preciso que o governo brasileiro organize a participação de lideranças indígenas de cada estado para que nós possamos ser representados e ouvidos e para isso a gente também conta com a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara”, diz Almir Suruí.
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