Os incêndios florestais têm o potencial de ameaçar a própria existência da floresta amazônica. Isto ficou evidente pelos enormes incêndios durante a seca do El Niño de 2015/2016, inclusive com um incêndio atingindo uma área de um milhão de hectares perto a Santarém (PA), grande parte em área protegida [1]. A frequência de incêndios de área maior, no lugar de incêndios localizados, pode aumentar [2]. O incêndio em Santarém matou principalmente as árvores grandes, que são as que detém o principal estoque de carbono e que mantém o microclima na floresta. Os incêndios florestais são inerentemente mais perigosos que o desmatamento, pois o desmatamento é uma ação proposital que as pessoas podem decidir a não fazer, ou o governo pode tomar medidas para convencê-las a não fazer, mas se a floresta esteja queimando de forma acidental é muito mais difícil a parar.
O perigo maior dos incêndios é que iniciam um ciclo vicioso, um processo de retroalimentação positiva que degrada a floresta até que deixa de existir como floresta [3-5]. No primeiro incêndio as chamas são curtas, mas, mesmo assim, matam um certo número de árvores. As árvores amazônicas têm casca fina, diferentes de árvores em ambientes onde as espécies são adaptadas ao fogo, como no Cerrado. O fogo se desloca lentamente pelo chão da floresta, queimando a serrapilheira e demorando para passar por cada árvore, assim esquentando o câmbio embaixo da casca e matando as árvores mais sensíveis. Na próxima grande seca haverá muita madeira morta na floresta deixada pela mortalidade das árvores, e quando um incêndio entra as chamas vão ser mais compridas e mais quentes, matando mais árvores. Depois de três ou quatro incêndios a floresta pode ser eliminada.
Os danos à floresta causados por incêndios, junto com a degradação por exploração madeireira, já reduziram a biomassa da floresta em enormes áreas da floresta remanescente, especialmente na Amazônia oriental [6]. A magnitude da mortalidade e os mecanismos pelos quais as árvores morrem têm sido os focos de um crescente número de estudos (e.g., [7-12]).
A imagem que abre este artigo mostra queimadas na Terra Indígena do Xingu, em setembro de 2024 (Fotos: João Stangherlin/Ibama).
Notas
[1] Berenguer, E., Lennox, G.D., Ferreira, J. et al. 2021. Tracking the impacts of El Niño drought and fire in human-modified Amazonian forests. Proceedings of the National Academy of Science USA. 118(30): art. e2019377118.
[2] Pueyo, S., Graça, P.M.L.A., Barbosa, R.I., Cots, R., Cardona, E. & Fearnside, P.M. 2010. Testing for criticality in ecosystem dynamics: The case of Amazonian rainforest and savanna fire. Ecology Letters 13: 793-802.
[3] Cochrane, M.A., Alencar, A., Schulze, M.D., Souza, C.M., Nepstad, D.C., Lefebvre, P. & Davidson, E.A. 1999. Positive feedbacks in the fire dynamic of closed canopy tropical forests. Science 284: 832-1835.
[4] Cochrane, M.A. 2003. Fire science for rainforests. Nature 421: 913–919,
[5] Barlow, J.B. & Peres, C.A. 2008. Fire-mediated dieback and compositional cascade in an Amazonian forest. Philosophical Transactions of the Royal Society B, Biological Sciences 363: 1787–1794.
[6] Berenguer, E., Ferreira, J., Gardner, T.A. et al. 2014. large-scale field assessment of carbon stocks in human-modified tropical forests. Global Change Biology 20: 3713–3726,
[7] Barlow, J.B., Peres, C.A., Lagan, B.O. & Haugaasen, T. 2003. Large tree mortality and the decline of forest biomass following Amazonian wildfires. Ecology Letters 6: 6–8.
[8] Alencar, A.A.C., Solórzano, L.A. & Nepstad, D.C. 2004. Modeling forest understory fires in an eastern Amazonian landscape. Ecological Applications 14: 139–149.
[9] Morton, D.C., Page, Y.L., DeFries, R.S., Collatz, G.J. & Hurtt, G.C. 2013. Understorey fire frequency and the fate of burned forests in southern Amazonia. Philosophical Transactions of the Royal Society B, Biological Sciences 368: art. 20120163.
[10] da Silva, S.S., Numata, I., Fearnside, P.M. et al. 2020. Impact of fires on open bamboo forest in years of extreme drought in southwestern Amazonia. Regional Environmental Change 20: art. 127.
[11] da Silva, S.S., Fearnside, P.M., Graça, P.M.LA. et al. 2021. Increasing bamboo dominance in southwestern Amazon forests following intensification of drought-mediated fires. Forest Ecology and Management 490: art. 119139.
[12] Lopes, A.P., Silva, C.V.J., Barlow, J. et al. 2021. Drought-driven wildfire impacts on structure and dynamics in a wet central Amazonian forest. Proceedings of the Royal Society B, Biological Sciences 288: art. 20210094.
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