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ToggleEm operação, órgão federal investiga esquema milionário de corrupção e violência envolvendo grilagem de terras públicas na Fazenda Palotina. Na imagem acima, área pública desmatada, em Lábrea (Foto: Christian Braga/Greenpeace/2022).
Manaus (AM) – Nesta sexta-feira (1/11), a Polícia Federal (PF) de Rondônia iniciou a desarticulação de uma organização criminosa envolvida na grilagem de terras públicas na Fazenda Palotina, localizada no município de Lábrea, no sul do Amazonas. Esse grupo atua na área desde 2007, “utilizando documentos falsificados e contando com o apoio de servidores públicos corruptos e de milícias privadas para intimidar e expulsar moradores locais, incluindo comunidades extrativistas de castanha”.
A Fazenda Palotina está no epicentro de um conflito agrário que tem, de um lado, o fazendeiro Sidnei Sanches Zamora, que alega ser dono das terras e, do outro, os moradores da comunidade rural Marielle Franco. Eles ocupam uma área que já foi atestada como sendo terra da União. No meio da disputa, vários episódios de violência, totura e intimidação foram denunciados pelos agricultores.
Segundo a operação da PF, havia um esquema de lavagem de dinheiro com propinas sendo pagas a agentes públicos. Estes criavam formas para consolidar a posse da terra e também garantiam proteção armada às operações da organização criminosa.
A PF solicitou mandados de busca e apreensão, além de medidas cautelares para suspender as atividades da organização criminosa. O esquema de grilagem pode ter causado um prejuízo de mais de 68 milhões de reais ao patrimônio público, além das violações de direitos humanos e crimes ambientais cometidos na região.
Para Manuel do Carmo, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Amazonas, a operação da PF reagiu a várias ações feitas pelos próprios moradores da comunidade Marielle Franco. “Eles fizeram pedidos diretamente ao Ministério Público Estadual, ao Ministério Público Federal, que agora acompanha a Defensoria Pública da União e até mesmo a Defensoria Pública do Estado (DPE), então houve muitos pedidos (…) Então essa operação que aconteceu hoje vai apurar esses fatos”, disse à Amazônia Real.
‘A esperança é a última que morre’
Agente da PF durante busca e apreensão e dinheiro apreendido na operação Gênesis, em Lábrea (Foto: Ascom PF).
“A gente fica meio descrente, mas a esperança também é a última que morre”, disse o líder da comunidade rural Marielle Franco, o agricultor Paulo Sérgio Costa de Araújo. Ele se tornou um dos símbolos de resistência ao ser preso no início do ano, depois de denunciar o caso de tortura na comunidade. Na ocasião, quatro agricultores foram espancados.
Paulo denunciou o caso ao Ministério Público Federal, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e à CPT. De forma surpreendente, ele acabou preso por acusação de organização criminosa, por ordem do juiz Danny Rodrigues Moraes, da 1ª Vara da Comarca de Lábrea, quando estava na delegacia de Lábrea para fazer o boletim de ocorrência. “Era para esses caras estarem presos. Eu não fiz nada e fui preso. E eles estão por aí”, lamenta o agricultor.
O caso de tortura na comunidade Mariele Franco ocorreu em 28 de fevereiro. De acordo com Paulo Sérgio, os agricultores estavam registrando um flagrante de retirada ilegal de madeira nas terras da Comunidade Marielle Franco, quando sofreram um ataque dos “jagunços”. Um dos agricultores foi ferido com golpe de terçado (facão).
“[Os funcionários da fazenda Palotina] estavam tirando madeira na nossa área. Ele [Sidney Zamora] tira madeira e diz que é a gente. Então a gente colocou um rapaz para tirar os pontos [registrar o local onde a extração estava acontecendo] e fazer um relatório de árvores [retiradas]. Tinha canelão, castanheira, itaúba”, lembra Paulo Sérgio.
Ainda de acordo com Paulo Sérgio, os agricultores foram surpreendidos pelos “jagunços”. “Eles quebraram o equipamento do topógrafo na bala. Mandaram ajoelhar, bateram muito. Fizeram uma videochamada com o fazendeiro [Zamorra] mostrando os agricultores apanhando de joelho com cara no chão. E disseram que não iam matar porque era para saírem dali e contar para os outros”, disse à época.
Os agricultores foram surrados com golpes de terçados. Uma das vítimas, o extrativista identificado como Nacione, teve a clavícula atingida por um golpe e precisou de atendimento no hospital público. “Quando a sessão de espancamento e tortura acabou, os jagunços ainda dispararam vários tiros enquanto os agricultores corriam.”
Na época, o fazendeiro Sidnei Zamora se pronunciou, por meio de seu advogado, negando as acusações e se disse vítima de injúria e difamação por parte da “organização criminosa”.
Tentativa de reintegração de posse
Com o líder da comunidade preso, em 22 de março, juiz Roberto Santos Taketomi, da comarca do município, chegou a expedir um mandado de reintegração de posse da área, em favor do fazendeiro Zamora. A reintegração de posse foi suspensa, porque uma semana antes, o desembargador Airton Luís Corrêa Gentil, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) já havia decidido que o caso é de competência da Justiça Federal, por envolver terras da União.
Em abril, a Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas determinou uma correição extraordinária para fazer apurações sobre as decisões de reintegração de posse favoráveis ao fazendeiro. Também foram reanalisadas as condutas de juízes na prisão do líder comunitário Paulo Araújo e o envolvimento de policiais militares do Acre e do Amazonas em um suposto esquema de proteção do fazendeiro.
Em entrevista à Amazônia Real, à época, o superintendente do Incra, Denis da Silva, revelou que duas folhas do registro da Fazenda Palotina haviam desaparecido do cartório. Nas folhas estariam os detalhes da área, incluindo a descrição do terreno e sua dimensão. “Não tem a identificação dos títulos, na matrícula está uma coisa solta. Eles não sabem como foi extraído [as folhas do livro], o que indica que eles não têm esse documento [o título] que legitima a propriedade, o domínio”, disse o superintendente.
Liberdade e perseguição
Paulo Sérgio só foi libertado depois de 51 dias de prisão. Ele saiu da carceragem com tornozeleira eletrônica e foi para o Acre. Ele contou à Amazônia Real que a sua casa, localizada na comunidade Marielle Franco, foi incendiada no último dia 27 de agosto. “Incendiaram a minha casa e a de outro rapaz. Duas pessoas me contaram que estavam esperando apenas uma oportunidade para me matar.”
A reportagem procurou o advogado de Sidnei Zamora, Marcelo Feitosa Zamora, para comentar a operação da Polícia Federal, mas até a publicação da reportagem não houve resposta. Tão logo haja retorno, a reportagem será atualizada.
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