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Manaus pede água - Amazônia Real

Manaus pede água – Amazônia Real

Na maior seca da , manauaras das zonas mais pobres e afastadas do centro sofrem com o calor extremo, a fumaça das queimadas e as torneiras vazias por problemas na distribuição da empresa Águas de Manaus. A capital do Amazonas já é um exemplo  do que a ciência afirma ser a nova realidade climática dos próximos anos: uma combinação de eventos extremos que prejudica a disponibilidade de água potável, impactando a saúde, a agricultura e a segurança alimentar com mais força as populações periféricas. 

Manaus (AM) – O Lago do Aleixo, banhado pelas águas do rio Negro, virou um deserto. Nada lembra o local que recebe turistas para se refrescar ou pescar jaraqui, peixe abundante em tempos de muita água. O chão rachado pelo calor se converteu em um labirinto que agora serve de trilha para os caminhos até as casas flutuantes, onde moram os ribeirinhos da Colônia Antônio Aleixo, bairro periférico da zona leste de Manaus, no Amazonas.

Jorge Miguel Gomes, 73 anos, é dono de um pequeno comércio, que já não conta com clientes. Ninguém mais chega até lá. Ele diz  à reportagem ter visto sua clientela desaparecer assim que as águas do lago foram impactadas pela seca que assola a Amazônia. “Esse ano está pior que o ano passado, não dá para puxar barco aí, só se chegar de helicóptero”, afirma.

Seu Jorge se refresca com água puxada de uma cacimba para enfrentar o calor extremo (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real, 23/09/2024)

No ano passado, a seca que já tinha sido recorde no Amazonas fez com que Jorge Miguel tivesse a ideia de perfurar uma cacimba em frente de sua casa. Pode, assim, tomar banho e lavar a louça. Menos de um ano depois, uma nova seca histórica está sendo vivenciada na cidade de Manaus. 

A medição do nível do rio Negro nesta terça-feira (08/10) chegou à marca de 12,17 metros, um novo recorde e o manancial continua com as águas descendo. O rio nunca esteve tão seco e superou o nível de 2023, quando chegou a 12,70m. No dia 4 marcou 12,66m. É a pior seca em 122 anos de medição das águas pelo Porto de Manaus.

A vida dos manauaras se tornou desafiadora em meio a eventos climáticos extremos, como a seca severa, o calor intenso e a fumaça tóxica das queimadas que cobrem o céu. Mas o problema é crônico nas periferias, onde estão as populações mais pobres e em condição de vulnerabilidade. Jorge Miguel é uma das pessoas que sofrem com a ausência do básico. “Água encanada está faltando, até comprei água hoje. A cacimba uso só de noite”, explica ele. Com a torneira seca em Manaus, sua situação fica ainda pior durante esse período de estiagem prolongada.

O Censo de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já revelou a realidade do racismo ambiental que atinge a região, no que diz respeito ao acesso à água e saneamento. No Amazonas, segundo os dados, somente 66% dos domicílios permanentes ocupados possuem ligação com a rede geral de distribuição e tratamento de água e a utilizam como forma principal de abastecimento. 

Em Manaus, cidade composta por 2.063.689 habitantes, o serviço de água e saneamento é privatizado há 24 anos, e apenas 76,2% dos domicílios estão ligados à rede geral de abastecimento. Cerca de 310.731 de domicílios não possuem conexão com a rede geral de esgoto, outros 93.743 domicílios não têm abastecimento de água e 5.730 domicílios não têm banheiro. Ainda, cerca de 16.732 domicílios não têm coleta de lixo. Na capital amazonense, são 83.853 domicílios usando poços profundos ou artesianos como principal forma de abastecimento, ou seja, 13,3% da população. Nas periferias das zonas leste, norte e oeste é que as violações de direitos à água e ao saneamento podem ser observadas.

Sem água ou saneamento

Cacimba construída de forma artesanal para enfrentar o calor extremo e a falta de água no bairro Colônia Antônia Aleixo (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real, 23/09/2024).

A desigualdade é evidente quando se observam marcadores sociais como idade, classe e raça. Os grupos mais afetados pela falta de acesso ao saneamento básico são os jovens, pretos, pardos e indígenas. Entre as pessoas que se declaram pretas, 75% não possuem acesso adequado ao saneamento. No caso dos pardos, o percentual é de 68,9%, enquanto entre os indígenas, esse número cai para 29%. Em contraste, aproximadamente 83,5% da população brasileira que se identifica como branca vive em áreas com infraestrutura de saneamento adequada.

A relação entre a falta de água potável e a crise climática é sinalizada ano após ano nos relatórios de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). As mudanças climáticas já estão escancarando a escassez de água em diversas regiões. Segundo os estudos, a combinação de eventos climáticos extremos como ondas de calor, secas prolongadas e mudanças no regime de chuvas prejudica a disponibilidade de água potável, impactando a saúde, a agricultura e a segurança alimentar.

Em Manaus, comunidades indígenas e ribeirinhas são particularmente mais vulneráveis, forçadas a consumir água de poços improvisados e não tratados. É uma combinação perigosa de crise hídrica e climática. Sob o forte calor e sem água, o comerciante Jorge Miguel tem custos extras na sua rotina. Ele guarda a água que consegue em uma garrafa de 20 litros e um camburão pequeno, os únicos recipientes que consegue comprar com sua renda limitada.

Em setembro, Manaus registrou os dias mais quentes do ano, com a temperatura alcançando 39ºC, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). A sensação térmica é superior a esse valor. A máxima foi registrada pela estação automática do órgão por volta das 15 horas do dia 18 de setembro.

Outro morador da região do Lago do Aleixo, o motoboy Everson Soares, de 35 anos, relatou à Amazônia Real a luta pelo acesso à água no bairro. Everson mora na região desde criança e conta que a relação com a crise climática se complica quando falta água. 

A água do lago e das torneiras praticamente desaparece entre agosto e setembro, período mais crítico. A água não chega ou vem de forma intermitente. Com a associação de moradores, são cavados poços para amenizar o problema. Essa falta acaba impactando também a economia da comunidade. “Aqui no bairro, nossa principal fonte é o lago, mas quando ele seca, temos que sair e buscar água em outros lugares. É complicado porque aqui é uma área turística e o fluxo de pessoas aumenta. A falta de água e a seca impactam tudo”, diz Everson.

A rotina seca nas periferias

Caixas d’água na casa de Sabrina Alcantara, usada para estocar água (Foto: cedida).

Todos os domingos falta água na casa de Sabrina Alcântara, universitária de 20 anos, que vive no bairro do Tarumã, na zona oeste de Manaus. O problema constante forçou a família de Sabrina a adotar métodos para armazenar água nos períodos mais longos, como quando ficam 3 ou 4 dias com as torneiras vazias durante a semana. 

“Quando não dá para encher as caixas com água encanada da rua, a gente conversa com os vizinhos, porque tem alguns vizinhos na rua que tem poço e vendem essa água quando está faltando”, diz.

Para ela, virou costume a frequência da falta de água. De manhã cedo, tem que encher garrafas e racionar para o período da noite, enchendo baldes. A compra de água causa também dificuldades econômicas. A renda é baixa e a família sobrevive de serviços autônomos. “Não temos garantias quanto ao salário, acabamos usando cartão de crédito [para comprar água] e daí surgem mais dívidas”, explica Sabrina.

Ela reclama que, mesmo com as contas de água em dia, não há uma resposta clara da concessionária sobre a irregularidade no abastecimento em seu bairro, como quando aconteceu entre julho e agosto deste ano. 

“A gente liga perguntando se vai normalizar, o que está acontecendo e só falavam ‘Vai resolver hoje’, isso por mais de três dias quando houve uma falta dessas em toda a cidade esse ano, e nunca resolvia. Há um certo desamparo, né?”, desabafa a universitária. Sem justificativas concretas ou plausíveis, os moradores tocam a vida na incerteza.

No São Jorge, outro bairro periférico da zona oeste, o publicitário Guilherme Borges, 26 anos, lembra que a falta de água é um problema que se arrasta por décadas. “Já houve momentos em que passamos até duas semanas sem água. O São Jorge é praticamente esquecido pela prefeitura e pelo governo”, conta. A falta de um plano claro para solucionar essas questões só aumenta a indignação. “Nunca houve uma proposta ou ideia para melhorar o problema da falta de água por aqui.”

A falta d’água na casa de Guilherme acontece principalmente entre 17 e 18 horas, diz ele. Nos últimos dias tem sido mais frequente, praticamente todos os dias da semana. A família busca alternativas para ter água em casa, como reaproveitar a água que sai do ar condicionado e da máquina de lavar para lavar o quintal ou higienizar a área do cachorro.

Para higiene pessoal e cozinhar alimentos, recorrem a uma caixa reserva ou compram água mineral de garrafa. “Nas últimas semanas temos gastado um pouco mais comprando galões de água mineral para conseguir suprir a necessidade de tomar água e ter água para cozinhar”, explica.

“Nos últimos anos é bem perceptível essa piora climática em Manaus. Cada dia que passa o calor é mais extremo e afeta a saúde mental da nossa família. Somos uma família que gosta muito de praticar exercícios na rua, eu gosto de correr e a minha avó gosta de ir ao centro de convivência com as amigas, praticar treinamento funcional. Com a volta dessa fumaça e do calor, já fica difícil praticar exercícios ao ar livre”, relata.

Procurada pela Amazônia Real, a empresa Águas de Manaus informou à reportagem que nos meses de julho e agosto, os sistemas hidráulicos que atendem os bairros do Tarumã e São Jorge foram impactados por ocorrências emergenciais, situações não previstas, que, para serem corrigidas, geram interrupções temporárias do serviço de água. Segundo a empresa, 45% das ocorrências registradas no período estão relacionadas a casos de vandalismo ou falta de energia nas unidades que atendem essas regiões. Os demais registros são referentes a correções de vazamentos. 

Água universalizada

O sistema de abastecimento de água em Manaus é composto por quatro Estações de Tratamento de Água (ETAs). No Complexo de Produção da Ponta do Ismael, zona oeste, estão localizadas a ETA 1 e a ETA 2, responsáveis por abastecer 80% da cidade.

Hoje,  segundo a empresa Águas de Manaus, concessionária responsável pelo abastecimento de água e esgotamento sanitário, Manaus tem um serviço de água tratada universalizado e com capacidade de abastecer todas as regiões da cidade. No entanto, podem ocorrer manutenções emergenciais pontuais em razão de falta de energia ou ocorrências hidráulicas ou mecânicas. A concessionária disse atuar para resolver essas ocorrências no menor tempo possível.

A empresa alega que o serviço de água em Manaus é universalizado, com mais de 564 mil imóveis ligados à rede de distribuição de água, o que beneficia 2 milhões de pessoas com o serviço. A Águas de Manaus disse estar acompanhando o crescimento vegetativo da cidade, com novas comunidades mapeadas, a exemplo de locais como Parque Mauá, Lago Azul e Vila Nova, que recebem atualmente obras de implantação de rede de água.

A concessionária reforçou que a operação dentro do Complexo de Produção da Ponta do Ismael está dentro da normalidade e que diariamente, 700 milhões de litros de água são captados e tratados. Além disso, a empresa monitora diariamente os níveis do rio Negro e disse estar preparada para enfrentar a estiagem, mesmo que a vazante avance 25% em relação ao ano passado. 

Para 2024, a operação envolve a adaptação de toda a estrutura de captação de água em Manaus para acompanhar o nível do rio Negro e a implantação de estrutura de bombas d’água flutuantes.

Privatização da água

Os rastros da seca severa são visíveis no cotidiano da população manauara, que enfrenta o calor extremo e a falta de água. (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/23/09/2024).

Para o padre Sandoval Alves Rocha, sociólogo, ambientalista e representante do Fórum das Águas do Amazonas, os pobres estão excluídos do direito à água e ao saneamento em Manaus. Esse direito é prejudicado, além de tudo, pela privatização do serviço, que é apoiado pelas prefeituras ao longo dos anos.

Em 1999, o governo de Amazonino Mendes (1939-2023) iniciou o processo de privatização dos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário em Manaus. A Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama), estatal responsável pelo abastecimento na época, foi dividida em duas partes. A empresa original continuaria responsável pelo fornecimento de água e esgoto no interior do Amazonas, onde havia menos consumidores e menor rentabilidade. 

Em Manaus, foi criada uma nova empresa chamada Manaus Saneamento, que ficou encarregada de atender à capital, como subsidiária integral da Cosama. Esta nova entidade foi estruturada para atrair investidores privados.

Em julho de 2000, o governo privatizou os serviços de água em Manaus com base na criação da Lei Municipal 513/1999, vendendo a concessão para o grupo francês Suez (ex-Lyonnaise des eaux), um dos maiores do setor de água do mundo, por 193 milhões de reais, em uma leilão realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. A empresa passou a operar sob o nome Águas do Amazonas, com um contrato de concessão de 30 anos, renovável por mais 15​.

No entanto, o grupo Suez anunciou em 2006 que pagou 110 milhões de dólares como outorga para iniciar seus serviços na cidade, pressupondo que os investimentos seriam gerados dentro do próprio negócio. Mas teve que investir além do previsto, cerca de 150 milhões de reais, contribuindo para o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato.

O governo estadual justificou a privatização alegando que a Cosama era ineficiente e que a privatização melhoraria os serviços, ampliaria o acesso à água e modernizaria o sistema. Foi argumentado que o setor privado poderia garantir a eficiência necessária para resolver os problemas crônicos de abastecimento de água em Manaus​.

O ativista afirma que o processo de privatização do serviço de distribuição de água em Manaus foi marcado pela falta de transparência e irregularidades. Além disso, as empresas privadas que assumiram o controle do fornecimento de água não conseguem prestar um serviço adequado, resultando em escassez de água, preços elevados e degradação ambiental. Também não houve consulta à população sobre a privatização.

“Foi um processo muito conturbado. Sem transparência nesse processo, muitas lideranças comunitárias na época se levantaram contra a privatização, que foi adiada quatro vezes porque eram muitos processos, inclusive no Ministério Público. As coisas não estavam claras e havia um consenso na sociedade [de quem era contra a privatização] a respeito desse procedimento”, diz.

Outras três empresas, além do Grupo Suez, já cuidaram da concessão: Solví, Águas do e Aegea Saneamento. A Manaus Ambiental, empresa do grupo Águas do Brasil e Solví, substituiu a Águas do Amazonas em 2012. 

Em 2014, um plano de metas foi acrescentado ao contrato de concessão dos serviços de água e esgoto operados pela Manaus Ambiental. O plano previa que, até 2045, seriam investidos 3,3 bilhões de reais, com 1 bilhão destinado ao abastecimento de água e 2,2 bilhões ao esgotamento sanitário. 

Concessão investigada

Fachada da empresa Águas de Manaus no Complexo Ponta do Ismael (Foto: Divulgação/ Assessoria de Comunicação/ Águas de Manaus).

Ao longo de 24 anos de privatização, a precariedade dos serviços de água e esgoto de Manaus já foi investigada por três Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Câmara Municipal de Manaus, em 2005, 2012 e 2023. Em 2012, quando Amazonino Mendes era prefeito de Manaus, o contrato de concessão dos serviços de água e esgoto foi prorrogado por mais 30 anos, estendendo o prazo de 2030 para 2042. 

Essa decisão gerou grande repercussão e resultou na criação da primeira CPI na Câmara Municipal de Manaus, com o objetivo de investigar as condições e os termos da prorrogação. A extensão do contrato foi alvo de críticas, principalmente devido aos problemas crônicos de saneamento básico e acesso à água potável na cidade, que afetam principalmente as áreas periféricas.

Desde 2018, a responsável pelos serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto na capital amazonense é a Águas de Manaus, uma empresa da Aegea Saneamento, companhia privada considerada uma das maiores do setor no país. A empresa diz que o investimento para os cinco primeiros anos de operação é de 880 milhões de reais.

A estratégia do governo do Estado de desinvestir em serviços públicos da Cosama foi uma tática usada para justificar a privatização, contextualiza Sandoval.

“A população ficou muito chateada e insatisfeita com o serviço e se criou todo um contexto social e ideológico sobre a eficiência das empresas privadas, inclusive com argumentos que não se sustentam, como por exemplo, que o preço da tarifa ia ser mais baixo, que o esgotamento sanitário, muito precário na cidade naquela época, iria ser resolvido e que o abastecimento de água não iria mais ser um problema”, lembra.  

Segundo o representante do Fórum das Águas do Amazonas, essas promessas, colocadas como meta no contrato de concessão, não se concretizaram.  A constatação de que a falta de água é uma realidade constante, levanta preocupações ainda maiores sobre como as áreas periféricas estão sendo tratadas.

Um exemplo disso é o desempenho dos serviços de esgotamento sanitário. Segundo aponta o Ranking do Saneamento 2024, publicado em março pelo Instituto Trata Brasil, Manaus está entre os 20 piores índices de saneamento básico do Brasil, na 86ª posição. Em 2023, a capital amazonense ficou em 83º lugar na classificação geral. O ranking avaliou três indicadores: nível de atendimento, melhoria do atendimento e nível de eficiência.

A seca na região do Lago do Aleixo revela rastros de lixo em uma área que antes era tomada por água (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Rea/ 23/09/2024).

De acordo com o estudo, apenas 26,1% dos manauaras possuem acesso à coleta de esgoto, apesar de a privatização ter sido  realizada sob a condição de que 90% da cidade teria hoje os serviços de esgotamento sanitário. Isso significa que mais de 70% dos esgotos em Manaus são lançados nos rios e igarapés da cidade, promovendo a poluição desses corpos hídricos. 

O investimento anual médio em saneamento por habitante é de 115,66 reais, metade do patamar nacional médio para a universalização, que é de 231,09 reais. O padre Sandoval Rocha destaca que a política de privatização que avança sobre o território amazônico promove a mercantilização da natureza e intensifica os conflitos socioambientais. Em Manaus, ele afirma que a água virou moeda de troca entre as grandes empresas multinacionais e que isso acontece sem nenhum tipo de transparência.

São inúmeras as notificações do Instituto de Defesa do Consumidor (Procon) para a empresa sobre a interrupção prolongada do abastecimento de água na capital amazonense. Em setembro, a concessionária foi  notificada devido à interrupção no abastecimento de água em dois bairros da zona oeste de Manaus, de 4 a 6 de setembro. Há também processos ajuizados na Defensoria Pública estadual pela falta de abastecimento.

“Apesar das contradições das empresas que já assumiram a concessão da água, em nenhuma dessas mudanças houve uma iniciativa para consultar a população sobre a satisfação com o serviço. Na minha opinião, o desprezo à opinião da população é um processo muito autoritário”, diz o sociólogo.

Procurada pela reportagem, a Águas de Manaus respondeu que as manutenções de rede, emergenciais ou programadas, são ocorrências naturais a qualquer sistema de abastecimento de água e não possuem relação com a estiagem. 

Políticas públicas de saneamento 

Entre o asfalto e a área que antes era coberta pela água, casas flutuantes agora estão no chão. (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/23/09/2024).

Segundo o ambientalista padre Sandoval Rocha, uma solução para garantir o direito à água e ao saneamento a médio e longo prazo seria remunicipalizar o serviço, pois daria à população maior controle sobre os projetos implementados e garantiria uma gestão mais justa e participativa.

“Com o agravamento das mudanças climáticas, o aumento das temperaturas e a intensificação de estiagens, é urgente que as autoridades alterem suas práticas e deem maior atenção às questões ambientais. Caso contrário, a situação de precariedade no acesso à água e ao saneamento nas comunidades mais vulneráveis continuará a piorar. Se depender da atual lógica adotada pelos governos e do setor privado, os avanços serão limitados, já que o objetivo das empresas é o lucro, e não o bem-estar da população”, manifesta. Para ele, é preciso promover a educação e sensibilidade ambiental, algo que as políticas públicas atuais não conseguem cumprir.

Nos dias 3, 4 e 5 de junho de 2024, uma Missão Pelo Direito à Água e ao Saneamento visitou cinco territórios manauaras (Puraquequara, Parque das Tribos, Colônia Antônio Aleixo, Beco Macapá e Santa Etelvina), e identificou situações de precariedade ou a total ausência dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário na capital amazonense. A luta pelo direito ao saneamento básico orientou a seleção dos territórios.

A missão foi construída coletivamente por uma rede de 17 organizações, entre elas, o Fórum das Águas do Amazonas e diversos movimentos ambientais e lideranças comunitárias de Manaus. A comitiva nacional de Incidência Política da Habitat para Humanidade Brasil coordenou os trabalhos de campo e tornou público, por meio de relatório, os desafios enfrentados pelas populações locais e as mobilizações políticas comunitárias pelo direito à água, ao saneamento e à higiene.

Os coletivos constataram o abandono da população nas comunidades de perto, como a utilização de poços artesianos. No bairro Puraquequara, na zona leste, os moradores recebem avisos sobre os horários em que as bombas de água estarão ligadas por meio de grupos de WhatsApp. Esses intervalos podem variar de quinze minutos a duas horas, o que resulta, por vezes, na falta de água e, em outras, no desperdício. 

A maioria dos moradores não dispõe de grandes reservatórios, como caixas d’água. A solução é recorrer a baldes ou galões plásticos. Não há controle de qualidade da água dos poços, muitos perfurados em profundidades inadequadas e em áreas próximas às fossas, uma vez que a comunidade não possui rede de esgotamento sanitário. Além disso, as casas não têm filtros de água, e há relatos frequentes de doenças de veiculação hídrica.

Outra comunidade da periferia, localizada na zona norte da capital, o bairro Santa Etelvina enfrenta uma das situações mais críticas em relação ao abastecimento de água. Os moradores que fazem parte da Associação Ana Oliveira relataram aos coletivos ambientais da Missão Pelo Direito à Água e ao Saneamento, que a água que chega às suas casas apresenta cheiro, cor e sabor desagradáveis, resultando em diversos casos de diarreia e outras doenças. 

Os moradores também relataram que o fornecimento é irregular e a pressão da água insuficiente, forçando-os a comprar água mineral para beber e cozinhar. A missão cobrou que gestores públicos se empenhem na mitigação dos danos produzidos pela ausência da garantia de direitos nos territórios. O relatório com as  recomendações foi enviado para a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus (Ageman), para a Defensoria Pública do Estado do Amazonas e para a concessionária Águas de Manaus. O objetivo das recomendações é reverter o quadro de violações.

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