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ToggleFaltam pouco mais de 30 dias para as eleições 2024 e os 15.434 candidatos a prefeito registrados no Tribunal Superior Eleitoral correm – às vezes literalmente – para convencer o eleitorado de que suas propostas são melhores que as de seus adversários.
A tragédia sofrida por Porto Alegre escancarou a necessidade de os municípios estarem preparados para o “novo normal” e, em um contexto de agravamento da crise climática e de perda de biodiversidade, saber o que o seu candidato planeja para o meio ambiente é fundamental.
Para entender como a política municipal se relaciona com a proteção ao meio ambiente, e o que cobrar daqueles que a partir de 2025 vão comandar os 5.570 municípios do Brasil, ((o))eco conversou com Rodrigo Corradi, Secretário Executivo Adjunto do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, uma rede global de mais de 2.500 governos locais e regionais comprometida com o desenvolvimento urbano sustentável.
Confira:
((o))eco: Qual a relação que a municipalidade tem com o meio ambiente? Existem questões que são mais visíveis, como o cuidado com as áreas verdes, a gestão do lixo, do esgoto, mas não se resume a isso. Como é essa relação na sua visão?
Rodrigo Corradi: O município tem um direcionamento sobre a pauta urbana com três grandes eixos de atuação em que ele tem uma responsabilidade direta na constituição de políticas públicas e fiscalização.
Um deles é a pauta da mobilidade, que está colocada entre o primeiro ou segundo elemento de emissões de gases de efeito estufa em qualquer cidade brasileira. Esse é um recorte importantíssimo, sem o direcionamento municipal não existem políticas que possam aplacar essa referência.
Também é o município que trabalha sobre aquilo que tu já levantaste, a gestão dos resíduos. Os resíduos no Brasil são a terceira maior fonte de emissões gerais e essa lógica de emissões subsiste e é qualificada e gerida dentro das referências municipais.
E também tem a questão específica da gestão dos elementos arbóreos. Todas as árvores e estruturas que ficam nas cidades têm uma grande vinculação com a lógica de impacto de emissões, porque eles são elementos de contrabalanço. Mas eu coloco adicionalmente a isso o fato de que uma cidade que sobrevive e pensa em como ela se relaciona com elementos arbóreos dentro do seu território é um outro tipo de cidade do que uma cidade que muitas vezes, inclusive, pode até ter muitas árvores, mas essas árvores estão longe da vida das pessoas, estão longe das pessoas.
Então, quando você correlaciona a lógica das responsabilidades, você tem esses três eixos que são muito grandes e muito claros.
Uma questão em alta ultimamente é a da adaptação climática, muito pelo que aconteceu em Porto Alegre, mas também pelo aumento da frequência nos eventos extremos registrados no Brasil. Também no nível municipal é importante que as cidades tenham seus próprios planos de adaptação, não?
Falar de planos de adaptação é algo que, para municípios no Brasil, é algo muito novo. A minha organização defende, promove e executa planos de adaptação há oito anos aqui no Brasil, mas é algo relativamente novo. Por quê? Porque nós temos uma realidade dos nossos mais de 5.570 municípios, onde você tem que também encontrar qual é o peso e qual é a medida, né?
Com certeza existe um incentivo e até um direcionamento nesse sentido nas grandes cidades. Municípios com mais de um milhão de habitantes, todas as capitais, estão fazendo um direcionamento nesse sentido, mesmo que muitos ainda não realizados! O Brasil ainda está com não mais do que 30 Planos de Ação Climática que tem Planos de Adaptação e Análise de Riscos e Vulnerabilidades contidos.
Então, realmente, nós estamos muito incipientes. Os últimos dois anos, desde as enchentes no sul da Bahia, passando para os impactos que aconteceram no norte do litoral paulista e, sem sombra de dúvida, todos os eventos desde setembro de 2023 e, principalmente, em maio de 2024, no Rio Grande do Sul, criaram hoje uma demanda que acho improvável um candidato a prefeito, a prefeita, de uma cidade média-grande no Brasil, não ter que responder sobre o que ele quer fazer sobre adaptação climática.
E eu acho que esse é um tema que essas situações de [eventos] extremos vão nos demandar, onde, sim, fazer um plano é importante, mas fazer um plano vinculado a quê?
Qual é o tipo de análise que você está vendo para você conseguir fazer um plano? Esse exercício, na minha visão e a visão que defendo também como organização, como ICLEI, a gente sempre defende a ideia de que o plano, a política pública, nesse contexto, ela tem que ser muito baseada na Ciência e levantar o máximo de dados, sabendo que eles estão mudando, porque os extremos e, inclusive, todas as tabelas, pegue qualquer universidade aqui no Brasil, grande consultoria, todas elas estão trabalhando para tentar se atualizar sobre o que aconteceu nos últimos meses no Rio Grande do Sul.
A necessidade de mudança não é uma justificativa para não levar em consideração os dados, é justamente para correr atrás e trabalhar para qualificá-los para que eles possam ser elementos de tomada de decisão e para políticas públicas.
Outra coisa que gostaria de ressaltar é que a questão da adaptação climática numa eleição como essa é um ponto que não é menor. Você não vai conseguir criar um plano de adaptação no processo eleitoral, mas demonstrar que o processo, a lógica de construção de uma política de adaptação, tem que ser participativa. Não adianta só pensar em adaptação climática com soluções de tecnologia, você tem que, com certeza, conectar isso com o engajamento da sociedade. Esses são pontos importantes para serem reforçados em um período eleitoral.
Gostaria de te perguntar em relação aos municípios menores. Nós temos as capitais, em que os governos estão mais estruturados, mas as mudanças climáticas afetam a todas as cidades, independente do tamanho. Como que o ICLEI vê esses pequenos municípios? Os candidatos nessas cidades estão preparados para falar de meio ambiente e mudanças climáticas?
O Brasil tem uma vivência democrática muito municipalista, desde a sua constituição, e eu respeito muito esse espaço onde essas pessoas que se colocam para ser prefeitos e prefeitas estão e o nível de escrutínio que eles passam.
Quando a gente vai para o nível das cidades pequenas, naturalmente, o que a gente tem que se aproveitar, na minha visão, são três eixos. O eixo fundamental é um eixo de corresponsabilidade federativa. Não dá para pensar que os municípios pequenos podem atuar com a mesma autonomia de um município grande, que tem mais repasses, que tem mais recursos, tem maior capacidade, inclusive, de atrair talentos para que possam ficar dentro desse território.
Outro ponto é a nossa necessidade de utilizar um dos benefícios que existem no Brasil, que é a maneira de trabalhar em consórcio. Municípios no Brasil começaram a fazer isso, vamos dizer, de maneira inovadora no mundo inteiro, no final dos anos 80 e início dos anos 90.
Para vários pontos, isso é a solução de certas entregas de política pública brasileira, eu entendo que esse é um foco fundamental.
E o terceiro elemento é pedir a complementariedade. Existem complementariedades entre processos, existem organizações como o ICLEI, que trabalham com município pequeno, com município grande, existem outras organizações que também trabalham com essas mesmas características… o sistema universitário, que a gente precisa que não fique somente nos grandes centros, também possa fazer atividades e correlações também nos interiores, pensando sempre na ideia que você não necessariamente precisa ter a unidade do município como objeto, você pode pensar na ideia de regionalizações, e eu acho que é um formato muito importante para se levar em consideração uma agenda para o território e para tantas unidades territoriais como o Brasil tem.
De uma maneira simplificada, você diz que o que o município faz em relação ao meio ambiente, ao combate às mudanças climáticas, impacta no âmbito estadual, que impacta no âmbito federal, em uma cadeia de ações, correto?
Sim, com toda certeza. O ICLEI nasceu quando se chamou atenção de que não importa a agenda, os compromissos internacionais são feitos pelos países. Se você não leva essa atuação no nível municipal, muitas vezes esses compromissos são letras frias que você não encontra na implementação e você também não tem a cobrança vindo de baixo para cima dentro da cadeia territorial.
Você pode colocar grandes compromissos e em algumas agendas… Você tem uma agenda federal pesada, que faz uma diferença bestial, e a área ambiental com certeza está dentro desse escopo, a lógica, inclusive, da questão de preservação de floresta se encaixa totalmente dentro dessa agenda.
Agora, efetivamente, quando eu vou trabalhar quanto à diminuição da emissão de metano, por exemplo. Se nós estamos trabalhando com metano, se você não trabalha com a ideia de resíduos, e os resíduos, como eu falei, são naturalmente focados na pauta municipal, você não vai conseguir chegar a nada.
Então, é nesse espaço que nós temos que encontrar o caminho de atuação, uma atuação coordenada e que tem que ser no território.
Tendo todo esse contexto que você colocou, o que nós eleitores precisamos ficar de olho nas próximas eleições em relação às propostas dos candidatos. O que cobrar deles na área ambiental?
Bom, eu entendo que o ponto zero é demandar que eles tenham um plano. Eles não podem chegar com generalidades, esse é um ponto fundamental! Você tem que exigir que a sua plataforma seja responsiva à pauta do meio ambiente. Quando você chama a atenção que ela seja responsiva, a depender do território, isso pode significar muita coisa. A depender do território, alguns temas vão ser mais relevantes que outros, mas, com certeza, é importante demonstrar que exista algum plano, plano que diga não somente coisas bacanas para serem feitas, mas que direcionem como é que você quer colocar isso em política pública.
Então, se você diz que você quer diminuir as emissões de gases, você quer melhorar a sua frota de ônibus e ela vai querer ser mais eficiente, bom, como é que você quer isso? Faça uma segunda pergunta, normalmente uma segunda pergunta sempre demonstra onde é que a pessoa tem base para aquela tomada de decisão.
Além da ideia de ter um plano, é importante que a pessoa [candidato] possa dizer ‘Eu estou acreditando que eu posso fazer isso porque eu vi em outro lugar, porque eu acompanho o debate, porque eu entendo que é importante’.
E o terceiro ponto para chamar atenção é [o candidato] demonstrar que o meio ambiente não é um fim em si mesmo. O meio ambiente é onde nós estamos, nós não estamos aqui para defender “ambientalista”, como se fazia no debate político antigo. Não existem ambientalistas, existem cidadãos que convivem no mesmo ambiente. E esses cidadãos que convivem no mesmo ambiente demandam ações que preservem e qualifiquem esse ambiente.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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