O projeto que dispensa o processo de outorga de água para as propriedades rurais do Rio Grande do Sul, além de dispensar a cobrança do consumo das pequenas propriedades, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa gaúcha (ALRS). Em sessão realizada nesta terça (25), o colegiado autorizou a continuidade da tramitação do projeto por 9 votos a 3, seguindo voto do relator Luciano Silveira (MDB). Foram contrários apenas os deputados Luiz Fernando Mainardi (PT), Miguel Rossetto (PT) e Luciana Genro (PSOL).
Como detalhamos ontem, o PL 97/2018, de autoria do deputado Elton Weber (PSB) – presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária Gaúcha, a bancada ruralista do estado –, prevê a dispensa de outorga de água para captação, por qualquer propriedade rural e em qualquer vazão ou volume, de águas subterrâneas ou pluviais (da chuva) em área sem rede de distribuição pública. Entidades ambientalistas gaúchas criticaram a proposta por permitir a perda do controle do uso da água pelo estado, que passaria apenas a poder monitorá-lo.
Na sessão, Weber lembrou que o projeto foi construído em conjunto com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag/RS) e sindicatos rurais, e que ele resolveria o problema do alto custo da outorga de água no estado, que pode chegar, segundo ele, a R$ 18 mil. “Ao fazer um poço artesiano, ou questões similares, é obrigatório você ter a licença daquele poço. Ao mesmo tempo, continua sendo obrigatório, está no corpo do projeto, você fazer o cadastro de usuário da água, e dizer onde está”, afirmou.
“Haverá, sim, acompanhamento do órgão público quando do recurso hídrico poço, ou quando o recurso hídrico for usado, ele precisa estar cadastrado no SIOUT [Sistema de Outorga de Água do Rio Grande do Sul]”, defendeu o autor da matéria. O projeto, como disse o deputado, prevê esse cadastro, mas afirma que é apenas “para fins de monitoramento”. O estado perderia, portanto, a capacidade de controlar e limitar o uso da água pela atividade agropecuária por meio da outorga.
O deputado Miguel Rossetto (PT) concordou que o alto custo da outorga é um problema, mas disse que os parlamentares poderiam procurar uma solução para esse problema específico, sem acabar completamente com o sistema de outorga para propriedades rurais. “Isso afeta claramente, agride claramente uma legislação nacional. Que estabelece claramente as condições da outorga. E a outorga, todos nós compreendemos, é um instrumento de gestão dos recursos hídricos fundamental”, argumentou. “É a outorga que autoriza o uso da água superficial ou subterrânea pelo órgão competente, a partir da bacia hidrográfica. Sem a outorga, o estado, o poder público, perde a condição de regular a água, o uso indiscriminado da água”, criticou.
“É importante trabalharmos para redução do custo da outorga. Ponto. Este é um problema real que nós temos que enfrentar. Agora, nós não podemos enfrentar este problema desorganizando completamente o sistema público de gestão das águas, dispensando da outorga todas as propriedades rurais que desenvolvem atividade econômica, e zerando o custo pelo uso da água. São legislações nacionais”, afirmou Rossetto, lembrando a lei federal 9433/97 – a Política Nacional de Recursos Hídricos –, que estabelece as obrigações de outorga para usos que “alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água”, e a cobrança pela utilização que estiver sujeita a essa outorga.
Marcus Vinícius (PP), vice-presidente da comissão, defendeu o relatório, e respondeu Rossetto afirmando que o assunto da outorga é “matéria concorrente [com a União]”, e que “cabe ao estado também tratar desse tema”. O deputado Delegado Zucco (Republicanos) reforçou o argumento, afirmando que eventuais discordâncias com o que trata a proposta devem ser discutidas nas comissões temáticas da casa.
O argumento de que os estados também podem legislar sobre o tema, porém, se choca com o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021, no julgamento de uma ação que questionava uma lei estadual do Mato Grosso do Sul que estabelecia critérios para outorga diferentes da lei federal, e concedia isenções na cobrança de água para atividades agropecuárias e agroindustriais.
Na época, os ministros entenderam que era de competência exclusiva da União a capacidade de legislar sobre usos da água, e que a definição de critérios e isenções por parte de um estado, em conflito com a Política Nacional de Recursos Hídricos, era inconstitucional.
Luiz Fernando Mainardi (PT) apontou para os riscos do descontrole no uso da água que o projeto poderia gerar. “Imagina o seguinte: passa um determinado rio, existem 300 produtores que utilizam as águas daquele rio. Se não tiver o controle sobre o uso daquela água, os 5 primeiros usarão toda a água e os demais ficarão sem água”, alertou. “A outorga é feita a partir de critério eminentemente técnico, para que todos possam acessar um pouco da água, não para que alguns se aproveitem de toda a água em detrimento de todos os demais”, defendeu.
“Aqui nós estamos falando de todos os tamanhos de propriedade, para todos os usos e em todos os volumes que assim entender. Terminou as bacias. Pra quê bacia, os comitês de bacia que discutem a utilização das águas, se a outorga está liberada para todos os usos e volumes que assim entender?”, questionou o deputado.
Apesar dos argumentos, o relatório favorável ao projeto, elaborado pelo deputado Luciano Silveira (MDB), foi aprovado com folga na comissão. Como já dito, apenas Rossetto, Mainardi, que discursaram contra a matéria, e Luciana Genro (PSOL), votaram pelo arquivamento. Marcus Vinícius (PP), Delegada Nadine (PSDB), Professor Bonatto (PSDB), Edivilson Brum (MDB), Luciano Silveira (MDB), Cláudio Tatsch (PL), Capitão Martim (Republicanos) e Delegado Zucco (Republicanos), além do presidente da comissão, Frederico Antunes (PP), votaram a favor do prosseguimento. Agora o projeto segue para as comissões temáticas da casa – ainda não foram divulgadas quais.
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