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ToggleO debate e a história da eutanásia são um verdadeiro movimento, cujas controvérsias cresceram no contexto social da virada do século XX. Do grego euthanatos, que significa “morte tranquila”, a eutanásia começou na Grécia e Roma antigas quando prosperava a ideia de que a morte devia e podia ser misericordiosa. E assim ela foi defendida pelos filósofos estoicos e epicuristas em caso de doença terminal, vida de sofrimento insuportável ou em caso de ferimentos graves. Os pensadores argumentavam que o indivíduo tinha o direito de escolher o momento e a maneira de sua própria morte, portanto, nada deveria ficar no caminho disso.
Apesar de o éter ter sido descoberto em 1275 pelo alquimista espanhol Ramon Llull, seu uso como anestésico durante cirurgias só foi desenvolvido em 1846 pelo médico e cientista americano William T. G. Morton. O componente foi combinado com outros tipos de anestésicos para aliviar a dor e facilitar a morte, uma vez que induziam um estado profundo de inconsciência, privando o paciente da dor.
Demorou até 1870 para que Samuel Williams propusesse pela primeira vez o uso de anestésicos e morfina para intencionalmente pôr fim na vida de um paciente em estado grave. Quinze anos mais tarde, a Associação Médica Americana se opôs oficialmente à eutanásia voluntária, mas isso não foi o suficiente para deter o movimento que esse “suicídio medicamente assistido” havia se tornado. Enquanto alguns médicos acreditavam na natureza redentora do sofrimento, assumindo com orgulho o papel de “figuras divinas” que adquiriram ao longo dos séculos, a oposição partia do princípio de que o conceito de vida deveria ser preservado e que os medicamentos serviam para aliviar o sofrimento no final da vida ou acelerar a morte sem que a interrompesse de maneira abrupta.
Em 1906, os debates sobre a ética da eutanásia culminaram em um projeto de lei dos EUA que legalizava o procedimento, fruto de uma ação movida por Anna Hall, cuja mãe sofria de uma doença terminal dolorosa. Apesar de o projeto ter sido derrotado pela oposição, cresceram os argumentos dos movimentos pró e contra a eutanásia, e vários países se envolveram e discutiram sobre o procedimento. Inclusive, em 1957, o Vaticano foi a favor da “eutanásia passiva” – que consiste em suspender medidas que salvam vidas, como a ventilação mecânica.
Atualmente, os Países Baixos discutem sobre a ética da eutanásia e a quantidade de infrações na lei.
Eutanásia vs. suicídio assistido
A eutanásia e o suicídio assistido segue sendo um tabu pelo mundo, por isso poucos países o permitem. Por enquanto, a lista possui a Colômbia, Bélgica, Luxemburgo, Canadá, Suíça e alguns estados dos EUA, como Colorado, Havaí, Nova Jersey, Oregon, Washington, Vermont e Califórnia.
As leis e circunstâncias para a eutanásia e o suicídio assistido variam entre os países, alguns lugares, inclusive, só é permitido ambos os procedimentos não porque leis foram aprovadas, mas por não proibirem. Ironicamente, o suicídio assistido é mais disponível nesses países e até mesmo aceito pela sociedade do que a eutanásia. O procedimento consiste em ajudar alguém a tirar a própria vida a seu pedido, e isso geralmente acontece em casos de doenças terminais.
Ou seja, a diferença entre um e outro é apenas sobre quem realiza o ato final e fatal, se o solicitante com as próprias mãos, ou se uma figura médica. Para Richard Huxtable, professor de ética médica e direito da Universidade de Bristol, as pessoas são mais favoráveis ao suicídio assistido porque existe uma confusão generalizada sobre o uso e efeito de ambos os termos nas várias campanhas sobre o tema.
Um exemplo disso é que uma pesquisa conduzida pelo Centro Nacional de Pesquisa Social para MDMD descobriu que 93% das pessoas no Reino Unido aprovam ou não descartam o suicídio assistido por médico em caso de doença terminal.
Uma linha tênue
Nos Países Baixos, no entanto, a história é diferente. Ambos os procedimentos são legais se o paciente estiver sob um sofrimento insuportável e não houver qualquer perspectiva de melhora. Qualquer pessoa a partir de 12 anos pode solicitar a eutanásia ou o suicídio assistido, apesar de que o consentimento dos pais se faz necessário em caso de menores de 16 anos.
Desde 2011, os pedidos de eutanásia por sofrimento aumentaram no país, como mostra um relatório dos Comitês Regionais de Revisão da Eutanásia (RTE). Só em 2023 foram 9.068 casos, um aumento de 4% em relação a 2022, representando 5,4% do total de mortes no país.
Promulgada em 2002, a lei holandesa permite a eutanásia em caso de sofrimento físico e mental. A princípio, eram poucos os casos psiquiátricos, mas especialistas enxergaram um aumento a partir de 2011. Com isso, dois anos depois, foi inaugurado o Expertisecentrum Etuhanasie, um centro de especialização em eutanásia que ajuda pacientes a fazerem seu pedido para realização do procedimento.
O aumento acentuado dos pedidos de eutanásia criou um debate: de um lado, os médicos a favor da opção dos pacientes; do outro lado, os psiquiatras que enfrentam o desafio que é equilibrar a prevenção contra o suicídio e o lide com casos de depressão profunda.
Para o psiquiatra Sisco van Veen, também pesquisador do Centro Médico da Universidade de Amsterdã, é comum que, à medida que a saúde se torna mais gerenciada, a ideia de administrar a morte não parece tão ilógica. Ele acredita que, em determinadas situações, prevenir a dor pode ser mais importante do que salvar uma vida.
Cedo demais?
Alguns estudos holandeses já mostraram problemas de saúde mental na juventude com causas pouco claras. Desde o início dos anos 2000, o número de pessoas diagnosticadas com depressão nos Países Baixos têm aumentado gradualmente, com a condição se tornando o distúrbio mental mais comum no país, predominante em quase uma em cada cinco habitantes.
Van Veen acredita que tudo o que os especialistas podem fazer é adivinhar como as pessoas devem estar se sentindo em um mundo repleto de incertezas. Vale acrescentar que a normalização da eutanásia no contexto social e legislativo não significa que o processo é fácil, muito pelo contrário.
A lei holandesa para requerimento do procedimento é minuciosa e envolve salvaguardas e múltiplas opiniões. Além do médico legista, é necessário a opinião de cinco a seis médicos diferentes. É exigido que o paciente faça um pedido voluntário, consciente e repetido, e o médico escolhido deve analisar se o sofrimento é insuportável, ou seja, que não há opções de tratamento, cura ou melhora.
Ainda assim, são vários os casos de infrações registradas, sobretudo no que diz respeito a interpretação da lei. Em 2013, por exemplo, o Centro Holandês de Câncer (NKNL) denunciou a eutanásia disfarçada e o atendimento inadequado ao paciente. Foi divulgado que os mais de 1.700 casos de sedação em fim de vida que acontecem anualmente podem ter sido o resultado de práticas de eutanásia disfarçada.
Els Borst, ex-ministra da Saúde em 2001, responsável pela legalização da eutanásia, confessou em um livro de entrevistas da antropóloga e jurista Anne-MeiThe, que o procedimento foi “legalizado cedo demais”. Ela acreditava que o poder público não havia focado a atenção necessária nos cuidados paliativos e no acompanhamento dos pacientes antes de disponibilizar o procedimento.
Apesar de o apoio à lei holandesa sobre a disponibilização da eutanásia permanecer alto, há quem diga que está diminuindo devido ao excesso de infrações. É por essa razão também que Richard Huxtable, professor de ética médica e direito da Universidade de Bristol, apoia que as autoridades policiem mais os limites.
Professora de tomada de decisão e cuidados no final da vida no Centro Médico da Universidade Erasmus, em Roterdã, Agnes van der Heide acrescentou, em entrevista ao The Guardian, que a pesquisa e o monitoramento da eutanásia são essenciais porque implicam o risco de vida de pessoas vulneráveis serem consideradas menos dignas ou mais propensas à assistência médica na morte.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Mega Curioso e são de total responsabilidade do autor.
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