Era mais uma excursão de fôlego pelo Parque Estadual do Itacolomy, em Ouro Preto, onde o jovem pesquisador Danilo Zavatin caminhava até as pernas doerem. De olhos atentos para catalogar espécies do grupo Mollinedia, árvores frondosas quase sempre marcadas por um verde chapado, o pesquisador viu os rumos daquele dia mudarem quando, do alto de um morro, algo incomum reluziu ao olhar para baixo. Lá estava ela, a Mollinedia fatimae, uma árvore que, até então, nunca tinha visto na região.
“A árvore vinha lá de baixo, mas a copa estava na altura dos olhos, florida. Claro, as flores do grupo que estudo são verdes e não chamativas, então usualmente passam despercebidas. Quando vi essa árvore, soube de primeira que era uma espécie nova”, explica Zavatin ao ((o))eco. O batismo da árvore faz referência a uma mulher forte. “Essa espécie homenageia minha professora Fátima Otavina Souza Buturi, grande fonte de inspiração. Sempre esteve em meus planos homenageá-la e a publicação saiu em outubro e a Fátima faleceu agora em janeiro, lutando contra um câncer.”.
O pesquisador do Instituto de Botânica da Universidade de São Paulo, a USP, estava na cidade mineira em busca de uma outra espécie vegetal em meados de 2023 para um projeto de mestrado. No processo de pesquisa de campo, ele explica, é praxe ir a lugares onde outros coletores estiveram no passado para reconhecer os primeiros registros de cada espécie.
Na época, Zavatin calçou as botinas e subiu o Pico do Itacolomi seguindo os passos do naturalista alemão Carl August Wilhelm Schwacke (1848 -1904), fundador do Herbário de Ouro Preto, referência para suas pesquisas em flora. “Quando trabalhamos com um grupo, em geral conhecemos bem as espécies e não consegui relacionar essa planta com nenhuma espécie já conhecida. As espécies desse grupo em geral são plantas que estão nas matas úmidas e sombreadas e tem pouquíssima tolerância a ambientes abertos, portanto como essa árvore estava em uma área aberta e com incidência direta do sol, imaginei ser uma espécie nova pois não conhecíamos espécies de todo o grupo ocorrendo fora de floresta. Foi de fato inesperado.”
Do topo do morro, Zavatin contornou uma cratera para observar mais de perto o corpo da árvore que passou séculos escondida no parque, até abrir flores debaixo dos raios de sol. “Essa árvore pode ser reconhecida por folhas opostas, dentes pequenos na margem da folha e flores de sexo separados, ou seja, você encontra plantas somente com flores estaminadas [masculinas] e plantas somente com flores pistiladas [femininas].”, explica.
Inaugurado em 1967 pelo Instituto Florestal Nacional, o Parque Estadual do Itacolomi é uma unidade de conservação com cerca de 7.500 hectares. Abriga centenas de espécies da flora e da fauna da mata atlântica, tornando-se um refúgio no meio da região conhecida como Quadrilátero Ferrífero, que nos últimos séculos sofreu com os avanços da mineração.
Conhecida como berço da mineração no estado de Minas Gerais, a região do Quadrilátero é historicamente palco de embates entre ambientalistas, acadêmicos e profissionais ligados à extração de minério. Um recente levantamento feito em março de 2023 pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad-MG) pontuou descumprimentos de normas ambientais em 31 empreendimentos de extração mineral.
Supressão da vegetação nativa, disposição irregular de resíduos e impedimento de regeneração natural de florestas chamaram atenção do Semad. Segundo a plataforma MapBiomas, que mapeia áreas de desmatamento e disponibiliza alertas para regiões de todo Brasil, 63 hectares estavam em risco até 2023, data do último levantamento. Para a região, onde houve uma queda significativa do desmatamento na comparação entre os anos de 2022 e 2023, fica um alerta.
Situada nas cercanias do parque, a cidade histórica de Ouro Preto atrai público por conta da programação do circuito das artes, as igrejas barrocas onde estão alguns raros adornos do período colonial e do tradicional festival de cinema. Mas nos últimos anos o perfil do visitante começou a mudar: o número de turistas que se aventuram pela reserva do Itacolomi contribui com holofotes para uma discussão sobre preservação.
Do alto das ladeiras da cidade pintada por Guignard é possível ver o pico que Zavatin encontrou a nova espécie de árvore, além de uma vegetação exuberante. “Nós temos formações de Mata Atlântica e Cerrado tudo num lugar só. O Parque é muito importante para proteção integral dessas espécies e o turismo deve ser fomentado, assim como a educação ambiental”.
“A Mollinedia fatimae fica dentro do parque e está bem protegida. [Mas] nós indicamos aos administradores do parque onde estão os indivíduos, especialmente a planta feminina, que encontramos apenas uma e é a única que pode produzir frutos. Por sorte ela ocorre bem perto da administração na área de mata”, pontua o pesquisador, sobre a importância de olhar a espécie com atenção. Zavatin pondera um dado importante: com apenas um registro da árvore em todo parque, a preservação da espécie é urgente. Enquanto isso, fora dos limites da reserva, o desmatamento é uma realidade que, não fiscalizado, pode ameaçar espécies da reserva no futuro. O Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), referência para a catalogação de novas espécies, classificou a descoberta de Zavatin com um selo de “Criticamente em Perigo”. O pesquisador pondera que é preciso investigar se há outros exemplares da espécie fora da área do parque, para que se preserve a existência da planta. Há alguns anos, relata que viu dois casos isolados da espécie, um em Mariana e outro próximo a Cachoeira das Andorinhas, também no estado. “É necessário localizar os indivíduos e avaliar sua ocorrência exata para indicar se correm algum perigo.”.
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