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ToggleNos instantes iniciais do filme Nós, do aclamado cineasta Jordan Peele, a personagem Adelaide Wilson se depara com uma imagem ao olhar pela janela da casa onde mora: uma família de mãos dadas formando uma corrente. Momentos depois, ela descobre, da pior maneira o possível, que essa família é um clone da sua, literalmente, e que viveu no subterrâneo dos Estados Unidos como outras milhares de pessoas que também foram parte de um experimento científico que deu errado.
Ao longo do filme, nós, espectadores, descobrimos que Nós replica a mesma fórmula de Corra, também de Peele: o terror da realidade. Nós é sobre a dualidade da natureza humana, o inconsciente, opressão sistêmica e, sobretudo, a culpa do privilégio.
Uma das características mais marcantes é que os clones das pessoas da superfície formam, no final do filme, uma corrente humana que atravessa todo o país, em referência a Hands Across America, a campanha beneficente mais fracassada da História dos EUA.
A união faz a força
(Fonte: YouTube/Reprodução)
Todo mundo conhece a canção “We Are The World” – ou pelo menos deveria –, que reuniu 40 artistas da indústria musical em um estúdio, incluindo nomes imortais, como Michael Jackson e Diana Ross, mas poucos sabem por qual motivo. A música, um sucesso até hoje, foi uma iniciativa do empresário e produtor musical Ken Kragen para arrecadar fundos para o combate à fome na África, no apogeu da miséria na Etiópia, considerada um dos piores desastres humanitários do século passado, responsável pela morte de mais de 1 milhão de pessoas.
A apresentação ao vivo da canção e seu lançamento foram marcados para 13 de junho de 1985, no mesmo dia do American Music Awards (AMA), um dos maiores prêmios de música norte-americana, esperando que alcançasse o máximo de espectadores o possível – e assim aconteceu. “We Are The World” se tornou um sucesso global sem precedentes, vendendo mais de 7,5 milhões de cópias só nos EUA. O álbum USA For Africa: We Are The World vendeu 3 milhões de cópias, sendo que o montante arrecadado chegou a US$ 50 milhões.
Todo o dinheiro foi processado pela organização que surgiu em prol da iniciativa, a USA For Africa. Uma vez que Kragen viu que sua campanha deu certo, ele decidiu , em 1986, criar o Hands Across America, um evento beneficente com intuito de aumentar a conscientização sobre a questão da fome e pobreza nos EUA.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Kragen convidou os norte-americanos a formarem uma corrente humana que se estenderia por cerca de 6.500 quilômetros durante 15 minutos, da costa leste a oeste dos EUA. Com isso, ele planejava arrecadar entre US$ 50 milhões a US$ 100 milhões com os participantes doando entre US$ 10 e US$ 35 para reservar seus lugares na fila e receber uma camiseta comemorativa.
O Hands Across America foi disseminado fortemente pela mídia, tornando-se uma das peças publicitárias beneficentes de maior sucesso do século XX, mas isso não foi o suficiente para evitar o fracasso. Em 25 de maio de 1986, as principais cidades dos EUA, começando por Nova York, formaram a rota do evento, que reuniu cerca de 6 milhões de pessoas em meio a populares e famosos, como Liza Minnelli, e políticos, como o então governador Bill Clinton.
Um dos motivos pelos quais o evento fracassou foi porque, geograficamente, é impossível formar uma fila de pessoas cruzando vários estados, passando por condições climáticas adversas e terrenos inacessíveis.
As várias lacunas entre os participantes foram preenchidas com fitas, cordas ou faixas para minimizar o impacto do fracasso. O pior, no entanto, é que foram arrecadados apenas US$ 34 milhões, sendo que US$ 15 milhões foram distribuídos para caridade após deduzidos os custos para produzir o evento.
O problema da América
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Em Nós, Peele transmite a ideia de que os norte-americanos fecham constantemente os olhos para as mazelas sociais que existem logo abaixo da superfície do país. Em 1986, cerca de 35 milhões de pessoas viviam abaixo do nível da pobreza nos EUA, ou seja, 13% da população. O Departamento de Comércio estimou que uma família de quatro pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza naquela época tinha menos de US$ 10 por dia para gastar com comida. A Força-Tarefa dos Médicos sobre a Fome nos EUA, com sede em Harvard, estimou que até 20 milhões de americanos passavam fome vários dias da semana.
Apesar disso, dois dias antes de se juntar ao Hands Across America, o então presidente Ronald Reagan foi a público dizer que o problema da fome nos EUA era causado pela “falta de conhecimento” sobre onde obter ajuda. “Não acredito que haja alguém passando fome na América simplesmente devido à negação ou falta de capacidade em alimentá-los”, disse.
Ronald Reagan. (Fonte: GettyImages/Reprodução)
Para piorar, Reagan ainda completou dizendo que “onde há fome, você precisa determinar que isso é provavelmente devido a uma falta de conhecimento por parte das pessoas sobre as coisas disponíveis”. Ou seja, basicamente que, com os programas governamentais e privados, o motivo para as pessoas passarem fome era que “não sabem onde ou como obter ajuda”.
Mas parece que Reagan esqueceu que a classe pobre dos EUA da década de 1980 foi esmagada ainda mais por suas políticas oriundas de sua “economia de gotejamento”, cuja ideia se baseava em um corte de impostos para os ricos que resultaria, teoricamente, em maior prosperidade aos pobres. Além disso, a administração de Reagan eliminou programas para informar as pessoas sobre os benefícios do vale-alimentação, considerado um verdadeiro fracasso pelos especialistas, e que o político sempre enalteceu.
No final das contas, o Hands Across America entrou para os anais da história americana e para a cultura popular como um evento pretensioso que tentou, por meio de uma música e peças de merchandising, se posicionar como a solução para o fim de um problema que a própria sociedade acreditava que não existia.
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site Mega Curioso e são de total responsabilidade do autor.
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