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Jornalismo é alvo da violência na Amazônia, diz Repórteres Sem Fronteiras

Jornalismo é alvo da violência na Amazônia, diz Repórteres Sem Fronteiras

Relatório “Amazônia: Jornalismo em Chamas”, que cita a agência Amazônia Real como um exemplo de iniciativa independente, mostra quais são os “assuntos proibidos” de serem abordados na região amazônica, a asfixia econômica aos veículos, autocensura, entre outras ameaças (Foto cedida por Michael Dantas).


Manaus (AM) – Um ataque à imprensa ocorre a cada cinco dias nos nove Estados da Amazônia Legal. Dos 66 casos registrados de junho de 2022 a junho de 2023, 16 estavam relacionados a reportagens sobre temas como agronegócio, mineração, povos indígenas e violações de direitos humanos. Pelo menos um terço deles se passou durante as últimas eleições gerais no

A organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF) mapeou a violência contra profissionais da imprensa no relatório “Amazônia: Jornalismo em Chamas”, divulgado nesta quinta-feira (21). Os casos de violações à liberdade de imprensa registrados englobam agressões físicas, assédio e ameaças. A RSF atua para garantir o direito à liberdade de informação e de imprensa ao redor do mundo.

No período de 12 meses compreendidos no relatório, foram localizados casos de ameaças de morte, impedimento de coberturas, atentados, roubo de equipamento, assédio judicial, assédio moral entre outros. A equipe que produziu o documento foi formada por duas jornalistas da Amazônia, uma que está em Manaus e outra em Belém, além de um integrante da RSF, um pesquisador, uma equipe de pesquisa e um observatório para fazer um levantamento desses casos. Esse time de especialistas permitiu “fazer as verificações, as documentações desses episódios de violência e categorizá-los no sentido de entender as dinâmicas de violência por detrás desses ataques à imprensa”, explica o diretor da RSF para a América Latina, Artur Romeu.

“A maior parte desses casos estava de alguma forma associada a coberturas sobre temas de política local e política nacional, mas (o relatório) identificou ao menos 16 situações em que jornalistas e comunicadores estavam cobrindo ou temas relacionados a questões ambientais, de conflitos de terra, envolvendo os direitos de povos indígenas ou outros tipos de violações de direitos humanos”, explica Romeu.

Segundo ele, 33 casos de agressões ou ataques ocorreram em coberturas de política nacional e 14 relacionados a temas diretamente envolvendo política local. Um dado que explica o volume de violências é que o Brasil, em 2022, enfrentou uma de suas campanhas políticas mais polarizadas. “As eleições foram marcadas por diversos casos de agressões à imprensa, a jornalistas que estavam cobrindo manifestações golpistas, de questionamento ao resultado de eleições ou mesmo durante as próprias eleições, tensões que estavam ocorrendo em determinadas cidades sobre esses temas de política nacional”, pontua Romeu.

Questões estruturais

A jornalista Elaíze Farias durante cobertura na Terra Indígena Vale do Javari (Foto: Bruno Kelly Amazônia Real).

O relatório da RSF aborda ainda questões como os desafios estruturais para o exercício do jornalismo na região. Isso envolve as complexidades da logística e do deslocamento na região para fazer coberturas em campo. “Estamos falando de coberturas caras em lugares pouco acessíveis, o que envolve grandes custos, deslocamento por rio, avião, que geram uma camada de complexidade”, analisa o diretor da entidade. Outro ponto observado se relaciona às “desigualdades tecnológicas”, como a questão das dificuldades de infraestrutura de telecomunicações, acesso à internet e, às vezes, até sinal telefônico para produzir reportagens em regiões isoladas.

Para exemplificar a questão dos desafios estruturais, Romeu fez um recorte sobre a cobertura da crise humanitária do povo indígena Yanomami, no início do ano. “Dos relatos que a gente ouviu, inclusive do que saiu na imprensa nacional e internacional no caso das violações na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, acho que tem uma particularidade ali, por ser uma fronteira com a Venezuela, um território gigantesco de difícil circulação, um território com algum grau de complexidade e principalmente com um ecossistema de mídia muito restrito”, analisa.

Casos marcantes

Edmar Barros retratado por Michael Dantas

Entre os casos mais emblemáticos de violência contra jornalistas, Romeu cita a ameaça de morte sofrida pelo repórter-fotográfico Edmar Barros após registrar as queimadas no município de Lábrea (a 853 quilômetros de Manaus), em 2021. Segundo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Barros recebeu uma mensagem pelo celular afirmando que poderia ser assassinado se continuasse cobrindo os crimes ambientais. A intimidação veio de um número desconhecido: “Você vai queimar junto com as queimadas…vai virar churrasquinho”. Tais ameaças, além de consideradas crimes pelo Código Penal Brasileiro, violam a liberdade de expressão e restringem o direito de acesso à informação de toda a sociedade. 

Outro caso explicitado no relatório da RSF foi o atentado a tiros na redação do portal Rondôniaaovivo. “O atentado foi amplamente documentado e ilustra uma medida que fala de um momento político de polarização, do avanço da extrema direita no País e da presença dessa extrema direita organizada em estados do Norte. Fala sobre a identificação de um veículo de imprensa como um inimigo a ser combatido, porque ele estava tratando de pautas nacionais a partir de um olhar que desagradava o grupo de poder local”, pontua Romeu.  Ele reforça que não é sempre que ocorre um atentado a tiros contra a fachada de um veículo de imprensa no Brasil.

Independência jornalística

Kátia Brasil, durante o Congresso da Abraji 2022 (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Apesar do cenário pouco favorável à produção jornalística na Amazônia, Artur Romeu ressalta que ainda há, em meio a esse “deserto” (de ), iniciativas capazes de produzir jornalismo independente. Ele descreve que o relatório traz um lampejo de esperança no sentido de mostrar algumas inovações que estão sendo feitas, em meio ao contexto complexo, hostil e violento ao exercício do jornalismo, por organizações de mídia local ou por movimentos sociais que atuam na região. 

“A gente está falando de iniciativas como a Amazônia Real, que está aí com quase dez anos de trajetória, levando adiante um projeto editorial justamente que se caracteriza por uma total independência em relação a interesses de financiamentos públicos ou mesmo que tenham compromisso direto com interesses econômicos de empresas da região, o que permite a produção de um jornalismo feito e produzido a partir de um olhar das populações que são impactadas por essa crise climática, pelos efeitos dessa crise climática”, analisa Romeu.

A editora-executiva da Amazônia Real, jornalista Kátia Brasil, destaca que o relatório da RSF “é um marco para analisarmos o ecossistema do jornalismo na Amazônia Legal”. Segundo ela, o poder econômico dos políticos sobre a imprensa local, a interferência do Judiciário e de empresários justamente dos ramos da mineração, madeira e do agronegócio comprometem as liberdades de expressão e imprensa na região. “Os jornalistas precisam de liberdade e recursos para trabalhar honestamente e não a serviço desses poderes. Eles precisam contar o que está acontecendo na Amazônia, que enfrenta um dos piores momentos com a insegurança climática e violência contra os povos. Que venham mais iniciativas como esse relatório da RSF para fortalecer as liberdades de expressão, de imprensa e a democracia na Amazônia”, afirma Kátia Brasil.

Elaíze Farias, editora de conteúdo e cofundadora da agência, junto de Kátia, foi uma das entrevistadas para o relatório da RSF. Ela relatou como funciona o trabalho da agência e a luta permanente para manter o jornalismo livre e independente, em uma região tão adversa, trazendo exemplos de investigações produzidas pela Amazônia Real.

“O relatório contribui para mostrar que fazer jornalismo na nossa região é um ato de persistência, coragem e resistência para seguir informando e contando a verdade. E uma das formas de resistência é fazer jornalismo de qualidade, ético, comprometido com as populações amazônicas, sobretudo as que estão condição de vulnerabilidade”, diz.

A autocensura

Além dos “temas proibidos”, o relatório da RSF trata ainda assuntos como “a autocensura como estratégia de sobrevivência”. Na região é muito comum registrar casos de assassinatos relacionados a conflitos de terra. Esse tipo de violência, por si só, acaba sendo um fator de intimidação ao exercício do jornalismo e uma ameaça concreta aos jornalistas, o que promove um ambiente de autocensura.

O relatório da RSF aponta para a questão da “Interferência política e econômica”. Este é um dos maiores desafios da atualidade. É preciso estabelecer mídias independentes em um cenário onde há uma grande pressão de anunciantes, tanto da esfera privada e principalmente do setor público, no sentido de garantir uma linha editorial favorável aos seus interesses, diz o estudo.

O cenário de concentração de propriedade da mídia na mão, inclusive nas mãos de políticos, diretamente ou indiretamente vinculados a meios de comunicação, jornais e emissoras da região, segundo Romeu, é outro fator que acaba gerando uma série de conflitos de interesses ou ingerências editoriais.


Para garantir a defesa da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, a agência de jornalismo independente e investigativa Amazônia Real não recebe recursos públicos, não recebe recursos de pessoas físicas ou jurídicas envolvidas com crime ambiental, trabalho escravo, violação dos direitos humanos e violência contra a mulher. É uma questão de coerência. Por isso, é muito importante as doações das leitoras e dos leitores para produzirmos mais reportagens sobre a realidade da Amazônia. Agradecemos o apoio de todas e todos. Doe aqui.


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