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ToggleSessenta e quatro das 203 espécies de raias e tubarões presentes no Brasil estão sendo comercializadas. Na maioria dos casos as carnes são vendidas como o termo genérico “cação”, é o que diz uma pesquisa que saiu esse mês na “Biological Conservation”. Os pesquisadores identificaram pelo DNA as espécies: 83% desses animais estão ameaçados de extinção, e 12% se encontram na categoria “quase ameaçada” pela lista IUCN.
Segundo o artigo “Fifteen years of elasmobranchs trade unveiled by DNA tools: Lessons for enhanced monitoring and conservation actions”, houve a detecção de 36 espécies de tubarões e 28 espécies de raias comercializadas no Brasil disponíveis em 35 artigos publicados entre 2008 e 2023. Como o Brasil não possui estatística pesqueira desde 2011, a revisão de bibliografia mostrou que há escassez de estudos provenientes da região Nordeste.
Segundo o biólogo marinho Rodrigo Domingues, professor colaborador da Universidade Federal de São Paulo e coautor do artigo, os principais desafios de estudar a pesca são a falta de programas de monitoramento no Brasil, a baixa regulamentação da atividade e o alto custo dos materiais para extração do DNA. Além disso, aponta uma rivalidade entre pesquisadores e pescadores, o que dificulta o acesso ao que está sendo retirado do oceano e em qual quantidade.
Apesar de, em tese, existir proibição de comercialização (ou maior controle) de animais que estão inseridos na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, o estudo indica que estes continuam à venda no Brasil. O uso do termo genérico “cação” é uma das práticas que prejudica a fiscalização e contribui para a consumação desses animais. De acordo com Rodrigo, comerciantes utilizam a técnica de “finning”, onde dilaceram as barbatanas e cabeças a fim de impossibilitar o reconhecimento – e vendem apenas o “charuto” como cação. A prática mitiga o conhecimento do consumidor, que muitas vezes ingere raias e tubarões ameaçados sem estar ciente.
“O brasileiro médio não consegue fazer essa distinção [que carne de cação é tubarão]. Para eles, no mínimo, cação é aqueles [peixes] pequenos que a gente pode comer e tubarão é aquele enorme no filme que tá lá no mar e é perigoso. Essa é a distinção que eles conseguem fazer”, argumenta o biólogo.
Segundo o artigo, foram encontradas 237 rotulagens incorretas em produtos marinhos. Houve 85 raias sendo vendidas como tubarões e 22 tubarões vendidos como raias. Em situações específicas, espécies de tubarões e raias foram comercializados como peixe-guitarra. Também houve ocorrências de tubarões sendo vendidos como salmão ou corvina. Em instituições de educação também foi encontrado rótulos incorretos, carnes de tubarão acabaram sendo servidas como proteína de peixe. O mesmo também aconteceu em restaurantes particulares.
O Brasil possui uma inclinação forte para a importação e exportação de mercadoria de origem marinha, outro fator contradizente na proposta de preservar a fauna ameaçada, já que corrobora com a sobrepesca. Segundo relatório produzido pela ONG WWF em 2021, o Brasil foi o maior importador de carne de tubarão, recebendo 149.484 toneladas entre 2009 e 2019. Para completar o paradoxo, segundo o recente estudo da Biological Conservation, a pesca brasileira aumentou a captura de raias, sendo o terceiro maior exportador de carne de raia para a Coreia do Sul em 2021, a maior consumidora da espécie no mundo.
Nesse sentido, o país entra em um território de pesca predatória que pode não haver volta para espécies em risco iminente de extinção. O artigo revela que 12 espécies de raias e tubarões classificadas como Criticamente Ameaçadas pela IUCN foram detectadas no comércio brasileiro. São elas: Atlantoraja castelnaui, Carcharhinus porosus, Carcharias taurus, Fontitrygon geijskesi, Galeorhinus galeus, Isogomphodon oxyrhynchus, Pristis pristis, Pseudobatos horkelii, Sphyrna lewini, Sphyrna mokarran, Sphyrna tudes, Squatina occulta.
Em entrevista a ((o))eco, o pesquisador Rodrigo Domingues fala sobre tubarões, pesca e medidas que podem mitigar o problema. Veja a entrevista na íntegra:
((o))eco: Por que é difícil analisar as espécies que estão sendo comercializadas?
Rodrigo Domingues: Porque não existe um programa de monitoramento. Não existe programa de monitoramento a longo prazo, ou seja, todo mês você realiza fiscalização nos postos de pesca, faz uma amostragem, manda para o laboratório, pesquisa, e o laboratório faz essa identificação. O primeiro é que não existe esse programa de monitoramento, isso aí é feito de maneira pulverizada, uma dissertação aqui, um trabalho acolá. Segundo que os custos são altos, isso envolve a utilização de diversos equipamentos que são caros, reagentes, então a questão de recursos também acaba limitando essa prática mais constante de identificação molecular desses bichos.
Outra situação que acaba dificultando é o acesso, nem sempre os pesquisadores têm acesso aos desembarques de pesca. Nas áreas comerciais é mais difícil você ter acesso ao posto de pesca, coletar um tecido ali, ainda mais depois da normativa 445, que trouxe um grande imbróglio, e, vamos dizer assim, rivalidade entre pesquisadores e pescadores. Ela proibiu diversas espécies e acabou ficando muita animosidade entre pesquisadores e pescadores.
Qual é o impacto desses animais no oceano?
Os elasmobrânquios no geral, que fazem parte do nível trófico, predadores do topo, têm uma importância muito grande no ecossistema marinho, no controle de populações. Efeitos “top down”, quando você causa a diminuição de predadores no topo, permite o aumento de abundância de uma espécie que ele estaria predando, esta que acaba predando muito mais outra espécie que está abaixo do nível dela. Então tem uma importância ecológica muito grande, ambiente saudável é o que tem toda sua cadeia trófica equilibrada.
Então quando você remove os elasmobrânquios, que estão no topo da cadeia alimentar, o principal efeito seria então o desequilíbrio da cadeia trófica.
Por que o Brasil continua fazendo essa pesca predatória?
O principal problema é que o Brasil consome muita carne de cação. É um dos principais países que consome carne de cação, que é uma carne cheia de metais pesados e não faz nada bem pra saúde. Tem lugares do Brasil, por exemplo, que se oferece carne de cação, de tubarão, que é a mesma coisa, em maternidades, em escolas, e isso não se vê em qualquer outra parte do mundo. Não é permitido nos Estados Unidos, não é permitido em países da Europa. Mas o Brasil é um consumidor da carne do cação.
O segundo aspecto é que o Brasil é exportador, ele não consome a sopa de nadadeiras, mas ele exporta isso para o mercado asiático. É um paradoxo, a carne vale muito menos que a nadadeira. De qualquer maneira, vale a pena para ele [Brasil] pescar o tubarão para consumir a carne e exportar a nadadeira para o mercado asiático.
O Brasil ainda importa, além de consumir, ele importa por exemplo cação azul, que é uma espécie bastante capturada, ele importa do Uruguai.
Há alguma recomendação dos pesquisadores para evitar a extinção desses animais?
Existem vários mecanismos para a preservação. Existem a questão das áreas marinhas protegidas, que é o que a gente tem visto aqui em Alcatrazes. Alcatrazes virou um refúgio da vida silvestre, virou uma área marinha protegida, é proibido ter qualquer tipo de atividade de pesca ali, seja ela esportiva ou comercial. E a gente tem visto o resultado disso nos últimos anos, começaram a aparecer o que não era visto antes, tá sendo visto agora de maneira bastante comum avistar tubarão ali. Tem um artigo que saiu agora, identificando 7 espécies de tubarões, 6 ameaçadas de extinção. Então, áreas marinhas protegidas são uma maneira bastante efetiva de preservação dos elasmobrânquios.
Uma outra forma seria a questão da regulamentação da pesca, que aí é o imbróglio, é muito difícil fazer esse manejo pesqueiro, o que se poderia capturar e o quanto se poderia capturar.
A questão é que a maioria dos pesquisadores que estudam tubarão, a gente não acredita que a pesca de tubarões seja uma pesca sustentável, porque eles são organismos k-estrategistas, são muito mais parecidos com baleias do que com sardinhas. Eles demoram para ter um tamanho, maturação, e, portanto, poder se reproduzir. Quando se reproduzem, possuem uma baixa prole, têm um longo tempo de gestação, têm poucos filhotes, têm uma longevidade muito grande, são organismos que vivem muito tempo. Então a pesca atuando nesses grupos atrapalha muito, ela é o principal vilão na questão de extinção desses grupos.
Uma vez que é quase que uma utopia ter uma proibição total da pesca de todas espécies de tubarões, o que deveria acontecer então é a regulamentação da pesca, proibindo pelo menos a captura de espécies que estão ameaçadas de extinção. E também fiscalização da captura ilegal, não adianta só ter lei, porque aí se burlam as leis e continuam capturando, teria que ter uma fiscalização muito mais efetiva por parte dos órgãos competentes. Essas seriam medidas que trariam bastante benefícios para a população de tubarões.”
As informações apresentadas neste post foram reproduzidas do Site O Eco e são de total responsabilidade do autor.
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