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ToggleQuatro deles vão responder na Justiça Federal também por corrupção de menor por terem obrigado um jovem com menos de 18 anos no dia do crime a ajudá-los no crime ocorrido há dois anos no Vale do Javari, no Amazonas. Na imagem acima, ato em memória de Dom Phillips e Bruno Pereira (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil/05/06/2023).
Manaus (AM) – A Justiça Federal do Amazonas tornou réus, no último dia 10, mais cinco homens acusados de participar do duplo assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, ocorrido em 5 de junho de 2022. Francisco Conceição de Freitas, Eliclei Costa de Oliveira, Amarílio de Freitas Oliveira, Otávio da Costa de Oliveira e Edivaldo da Costa de Oliveira vão responder pela ocultação dos cadáveres do indigenista brasileiro e do jornalista britânico. Os quatro últimos também responderão por corrupção de menor, por terem obrigado um adolescente a participar do crime.
Os novos réus poderão aguardar o julgamento em liberdade, ao contrário de Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, Jefferson da Silva Lima, o “Pelado da Dinha”, e Oseney da Costa de Oliveira, o “Dos Santos”, os primeiros acusados pelo duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver e que estão presos em penitenciárias federais de segurança máxima. “Pelado” e Jefferson são réus confessos.
A denúncia, apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) no dia 10 de junho, virou a ação penal pública n.º 1001112-50.2022.4.01.3201. A Justiça Federal acatou a denúncia sem julgar o mérito, mas entendeu que há indícios suficientes para tornar os cinco homens novos réus da trama brutal. O crime de ocultação de cadáveres tem pena prevista de um a três anos e multa.
Bruno e Dom foram mortos nas proximidades da Terra Indígena Vale do Javari, em Atalaia do Norte (a 1.136 quilômetros de Manaus). Na região fica a segunda maior a Terra Indígena (TI) do Brasil, atrás apenas da TI Yanomami, em Roraima e Amazonas. Na região, vivem mais de 6.317 indígenas de sete povos contatados (Kanamari, Kulina, Marubo, Matís, Matsés e Tsohom-Dyapá, este de recente contato, e um grupo de Korubo) e ao menos 16 referências a grupos isolados e não contatados. Outro grupo de indígenas Korubo permanece em isolamento voluntário.
O indigenista ajudava os indígenas da TI Vale do Javari a criarem grupos de vigilância contra os invasores de suas terras. Por meio de câmeras e uso de equipamentos de georreferenciamento, ele ensinava os povos originários a localizarem pescadores ilegais, garimpeiros, madeireiros, o que o tornou alvo dos predadores da floresta.
Indiciados
Em janeiro deste ano, a Polícia Federal prendeu no município de Tabatinga (distante 1.106 quilômetros da capital) o pescador Jânio Freitas de Souza, acusado de participação no homicídio e na ocultação dos corpos. Ele foi a última pessoa que conversou com Bruno e Dom antes da emboscada.
Jânio Souza foi apontado pela PF como “o informante e aliado do mandante dos homicídios”, Rubem Dário da Silva Villar, o “Colômbia”, que está preso em Manaus por falsificação de documentos de identidade, bem como também por ser chefe de uma organização criminosa transnacional armada, em outro inquérito que apurou pesca ilegal e contrabando. A principal linha de investigação da Polícia Federal foi a de que o assassinato foi um crime premeditado.
Souza e “Colômbia” foram indiciados pelos crimes em 31 de maio de 2023. Uma quebra de sigilo telefônico revelou que entre 1º de junho de 2021 e 6 de junho de 2022 – um dia após o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips -, que “Colômbia” e Jânio trocaram 419 ligações telefônicas. O conteúdo das conversas segue sob sigilo. Na fase inicial das investigações, Jânio havia dito em mais de uma ocasião que conhecia “Colômbia” apenas de vista.
Em entrevista à Amazônia Real, Souza se identificou como presidente da Associação dos Produtores Rurais da Comunidade São Rafael e disse que só foi apresentado ao jornalista inglês naquele dia. Mas admitiu a prática de pesca ilegal dentro da TI Vale do Javari. “A gente mata peixe ilegal, não vou mentir, a gente pesca aí na frente. Mas tem gente que passa também para a área indígena e quem pega a culpa somos nós aqui da comunidade. Foi o que eu disse pra ele (Dom)”,
Júri popular
Em outubro do ano passado, o juiz federal Wendelson Pereira Pessoa, da Comarca de Tabatinga, decidiu que “Pelado”, “Dos Santos”, e “Pelado da Dinha”, vão a júri popular. Na decisão, à qual a Amazônia Real teve acesso, o juiz ressaltou ter baseado sua decisão em laudos periciais, a maioria feitos pela Polícia Federal (PF), que indicam a “materialidade dos homicídios e das ocultações de cadáveres”. Um dos laudos, inclusive, indica como tudo ocorreu:
- 1. Emboscada das vítimas sobre embarcação, na margem direita do rio Itaquai, sentido Atalaia do Norte;
- 2. Ocultação dos pertences das vítimas em área de igapó, atrás da residência de um dos suspeitos e à margem esquerda do rio Itaquai, sentido Atalaia do Norte:
- 3. Afundamento da embarcação das vítimas à margem esquerda do rio Itaquai, sentido Atalaia do Norte, próximo da comunidade Cachoeira;
- 4. Transporte dos corpos das vítimas para o local de queima, às margens do igarapé Preguiça, localizado atrás da comunidade São Gabriel:
- 5. Transporte dos corpos para inumação, às margens do igarapé Preguiça, localizado atrás da comunidade São Gabriel;
- 6. Ocultação de instrumentos possivelmente utilizados na queima e no enterramento dos corpos, atrás da comunidade São Gabriel.
O documento de sentença de pronúncia é rico em detalhes da confissão dos réus. Durante um interrogatório, Amarildo disse que a decisão de matar o indigenista Bruno Pereira decorreu do fato de a vítima ter tirado uma fotografia sua e de sua embarcação, afirmando que aquela era “a embarcação do invasor”. O jornalista britânico Dom Phillips teria morrido por estar junto do indigenista, que já era visado pelos pescadores de Atalaia do Norte (AM), conforme a Amazônia Real relatou em diversas reportagens durante a cobertura do caso.
O documento traz ainda o diálogo entre os réus confessos, quando Amarildo chamou o colega para cometer o crime. “Bora, ‘Chico’ (Jefferson), é hoje que eu vou me vingar desse cara”, disse referindo-se ao indigenista. Na confissão, os réus disseram que levaram aproximadamente quatro horas para escavar o terreno e enterrar os corpos do jornalista e do indigenista.
Tese da defesa
Os advogados dos réus vão adotar a tese de “legítima defesa”, alegando que reagiram a um ataque iniciado por Bruno Pereira. Em entrevista à Amazônia Real, o advogado Américo Leal afirmou: “Parece que já está fechado que o Bruno e o Dom estavam num barco, quando o Amarildo que é o ‘Pelado’ estava no outro. Então nessa troca de tiros é muito difícil para quem não domina o equilíbrio do barco tentar disparar e acertar o alvo do outro lado lá”.
Leal, que já defendeu os assassinos de Dorothy Stang, a missionária norte-americana morta em 2005 no Anapu (PA), se juntou à defesa dos três primeiros réus, banca comandada pela advogada Goreth Rubim. O advogado explicou que só depois de o caso ser levado ao tribunal do júri é que a defesa poderá se deter sobre “todas as provas das quais a acusação se serviu e se serve”.
As testemunhas, ainda segundo o advogado dos réus, vão ajudar a elucidar as circunstâncias da morte de Bruno e Dom. O julgamento do trio ainda não foi marcado. “Agora, o que aconteceu pós-fato, ocultação de cadáver e essas outras coisas, as pessoas que participaram, elas vão responder tão somente por este crime. É isso”, completou Leal.
A Amazônia Real procurou também o advogado de acusação, contratado pela família de Dom Phillips, mas ele preferiu não se manifestar no momento sobre a inclusão de cinco novos réus no caso.
A saudade e o legado
Neste mês, quando o crime completou dois anos, a viúva do jornalista britânico, a estilista com foco em sustentabilidade e empreendedora Alessandra Sampaio, visitou o Vale do Javari, para lançar o Instituto Dom Phillips. A ideia é manter o legado do marido vivo.
O projeto de Alessandra girará em torno de uma plataforma digital de conteúdos educativos que podem ajudar os povos indígenas e outras comunidades tradicionais, como ribeirinhos e quilombolas, a continuarem preservando a floresta. “A gente entende que há muito conhecimento nesses territórios, inclusive seguindo um pouco os passos do Dom, que estava fazendo o livro dele How to Save the Amazon: Ask the People Who Know [Como salvar a Amazônia: pergunte a quem sabe, em tradução livre] que entendia que as pessoas têm muita sabedoria, muito conhecimento dentro dos territórios e que é desconhecido esse conteúdo tão importante sobre a Amazônia”, disse.
Alessandra disse ainda que a ideia também é reverberar o conhecimento para o mundo, por meio da plataforma digital, mas também se fazer presente no dia a dia, dentro dos territórios. “A gente entende que é importante estar ali, nesse contato corpo a corpo, assim como Dom fazia para a pesquisa do livro dele, nas matérias que ele fazia, ele estava sempre em contato com o território, com os povos do território e é isso que a gente quer fazer”, disse Alessandra.
Projeto Bruno e Dom
Um ano depois dos assassinatos de Bruno e Dom, um consórcio internacional coordenado pela Forbidden Stories reuniu mais de 50 jornalistas de 16 organizações de mídia para produzir reportagens especiais sobre a Amazônia. O projeto internacional tem o foco de continuar as investigações de jornalistas assassinados durante o exercício da profissão. A Amazônia Real foi o único veículo da região Norte do Brasil a ser convidado para o projeto.
A agência publicou três reportagens: “A Fome pelo ouro do rio Madeira”, mostrando a atuação de garimpeiros ilegais; “Os Guerreiros do Médio Javari”, sobre a atuação do grupo Guerreiros da Floresta, formado por indígenas Kanamari, que atuam na vigilância do próprio território no Vale do Javari; e por fim a reportagem “Uma BR-319 no meio do caminho”, mostrando os desafios e riscos de asfaltamento da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho.
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